quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A questão da anticidade



João Vieira

Professor-fundador da Universidade Federal de Mato Grosso (aposentado) e ex-diretor do Museu Rondon. E-mail: joaovieira01@pop.com.br

Fonte: CONGRESSO EM FOCO

18 DE AGOSTO DE 2007

O mundo inteiro já concluiu que a questão fundamental do urbanismo hoje não é ter uma cidade grande, mas tão só e necessariamente uma boa cidade. Cidade limpa e seca, arejada, arborizada, bem apoiada ou assistida de abastecimentos e os requeridos serviços. Que disponha, sim, de equipamentos de utilidade social e, sobretudo, garanta o ir e vir em paz sob segurança. Ah! sim: que se tenha o suficiente em água, luz e esgotamento sanitário, com a indispensável eficácia no deflúvio das enxurradas. Igualmente disponha a cidade de formas de lazer e recreação, não tanto de massas, mas o das gentes! Aí, sim, o cenário da

“urbs” haverá de emplacar a “civitas” que doravante (mais que antes) se aspira como condição primeira dos aglomerados populacionais, sejam eles de pequeno, médio ou grande porte. Afinal, são desejados hoje aglomerados civilizados e equilibrados na rotina vivencial e que eventualmente podem sim, e até devem, suportar excepcionalidades convivenciais. Muito especialmente as de temporadas ou ocasiões como os congressos.

Hoje mais do que em todos os tempos, o mundo como um todo debate os itens tamanho, formato ou modo de ser das cidades, discutindo-se a viabilidade/inviabilidade do próprio modelo urbano-ambiental corrente ou recorrente, face ao seu desempenho bom ou ruim. No Brasil, assim como em Goiás (Goiânia ou Rio Verde ou ainda, e principalmente, Caldas Novas ou Pirenópolis, não é diferente), o tema-problema-dilema está na ordem do dia – principalmente agora quando se aproxima a temporada de eleições municipais.

Fiquemos, pois, com os que entre nós se debruçam sobre a candente questão da adequação, readequação, assim como construção/reconstrução de ambientes urbanos propícios à vida, à civilidade e ao desenvolvimento.

Tomemos o acreditado ambientalista Washington Novaes, que tem insistido na tese de que o modelo urbano corrente da cidade ilimitada, senão mesmo “inchada”, enfartada de moradores e edificações – sejam essas grandiosas ou diminutas, precárias – veículos e muitas outras quinquilharias do conforto conspícuo, é um modelo esgotado. Esgotado! E que não atende às exigências de qualidade estável de vida. Estável, porque não pode ser passageira nem predatória, já que há de ter (sempre) o caráter de sustentabilidade.

Afinal, as malhas urbanas de hoje, especialmente as urbano-metropolitanas geralmente não agüentam intempéries ou quaisquer variações climáticas drásticas, por insustentáveis que são perante si mesmas e a legislação, por exemplo, de parcelamento do solo; ou, e principalmente, ambiental! Mas, sobretudo, ante o bom-senso que recrimina o desmate sistemático dos topos dos morros, o entupimento e aterramento dos vales úmidos; a total e radical mania de desflorestamento dos sítios urbanos e rocios da guarnição geoespacial de seu entorno.




Caduco, pois, está o modelo de urbanismo praticado hoje universalmente, com poucas exceções – a das regiões que já atentaram para o impróprio dessas malhas urbanas extensivas, horizontalizadas e a perder de vista! Brasília hoje em dia é o espelho desse mau modelo – diga-se! E que ainda busca aprofundá-lo com o “trem-bala”, como se não bastasse seu fantasmagórico “metrô”, deficitário de rendas e passageiros...

Raro, contudo, é o ordenamento ambiental e mesmo social em que se atente para o princípio da formação de comunidades e não pura e simplesmente massas justapostas de gente espremida, atropelada de carências e dificuldades; dificuldades, sobretudo pela anomia infame de seu irremediável anonimato. Massas sem identificação ou referenciação geográfica e social; de limites que as habilitasse à verdadeira e singularizada cidadania. E lhes desse a segurança daquele que sabe de onde saiu e onde pretende ou tem de chegar. E não como aquele que é condenado a vagar em área aberta ou a esmo, como quem nada numa piscina sem bordas...


Morros desflorestados, em violação ao Código Florestal, vales e vales idem, nascentes soterradas, casas, prédios bons (bons?) e principalmente barracos, improvisações e mais “impróprios” em construção/desconstrução, e aí a cidade se torna hostil, violenta, incontida, inclemente, inabitável, insegura! Tornada, enfim, a própria anticidade.

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