quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Neo-Bolivarianos

Por Ney Vilela
Coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela
Simón Bolívar escreveu em 1815: “Desejo construir em nosso continente um grande país. E que seja grande, não pelas riquezas e poder, mas por sua liberdade e glória”. O sonho pan-americanista (construir a grande pátria latino-americana) de Bolívar esboroou no Congresso do Panamá, em 1826.

Em parte, o fracasso pode ser debitado ao Brasil que, governado por um monarca da família real portuguesa, não apoiou o surgimento da grande república latina. O fracasso também poderia ser debitado aos EUA que, regidos pela Doutrina Monroe, se preparavam para justificar as enormes anexações de territórios mexicanos, nas décadas seguintes. Outro fator para o insucesso da proposta pan-americanista foi a percepção, por parte de algumas oligarquias, que a fragmentação da América Espanhola facilitaria o domínio político dos “caudilhos” (fazendeiros que lideravam exércitos de jagunços).

Bolívar também errou: por trás de um discurso republicano e democrático, o “libertador” sonhava em se tornar presidente vitalício da grande nação pan-americana. Seu projeto político personalista gerou desconfianças entre os latifundiários. Os fazendeiros decidiram matar Bolívar, projeto que só não se realizou porque o “libertador” fugiu para a França, onde amargou um exílio constrangedor. Abandonado por seus antigos aliados, Simón Bolívar morreu isolado e pobre, alguns anos depois.

O heroísmo de Bolívar só seria cantado em prosa e verso depois que a morte o retirou da cena: a partir daí, as homenagens se sucederam e os seguidores do pan-americanismo se multiplicaram como cogumelos após as chuvas de verão. É bem verdade que algumas dessas homenagens agora soam irônicas, como chamar de “Bolívar” a moeda venezuelana e de “Bolívia” o país onde o golpismo gerou mais de 200 presidentes em 180 anos de vida republicana.

O bolivarianismo ressurgiu com Hugo Chaves, na Venezuela, e com os seus pupilos da Bolívia, Equador e Nicarágua. É curioso constatar que – seja lá o que for que a palavra bolivarianismo venha a significar – esta ressurreição do culto a Bolívar não significa pan-americanismo. Não significa integração.

Hugo Chaves, presidente venezuelano, quer anexar terras do Golfo de Maracaíbo que pertencem à Colômbia. Além disso, reivindica nada menos do que 75% do território da Guiana, para o seu país. A Venezuela está se armando vertiginosamente e não há dúvida de que, em breve, as pressões do presidente venezuelano provocarão um conflito cruento.

O Equador apresenta um argumento insólito para questionar territórios fronteiriços colombianos. Segundo o presidente Correa, a fumigação indiscriminada de herbicidas (realizada pelos colombianos para destruir plantações de coca) estaria, por ação do vento, envenenando as portentosas plantações equatorianas. Correa só não explica que tipo de plantação está sendo prejudicada...

Mais ao sul nós temos Evo Morales, líder cocaleiro que se transformou em presidente da República. O rapaz é a versão moderna do “rato que ruge”: depois de agredir os interesses de uma empresa estatal brasileira, Evo exige (isto mesmo, exige!) que Peru e Chile lhes devolvam os territórios que a Bolívia perdeu na Guerra do Pacífico (1879-1883).

Não nos esqueçamos da Nicarágua. Dirigida pelo presidente Ortega, líder “sandinista” (outro grande herói que teve seu nome corrompido por políticos oportunistas), a Nicarágua consegue a proeza de, tendo apenas dois países lhe fazendo divisa, arranjar três conflitos fronteiriços. A Nicarágua quer retirar territórios de Honduras e Costa Rica, seus vizinhos, e reivindica algumas ilhas antilhanas que pertencem à Colômbia.

Para complicar ainda um pouco mais as coisas, é necessário lembrar que a Argentina se acha no direito de definir quais indústrias podem se estabelecer em território Uruguaio. Por último, Guiana e Suriname têm conflitos em suas fronteiras litorâneas.

Tudo isso acontece aos gritos de “viva a integração latino-americana!”; “por um bloco econômico latino-americano!”; “união contra o imperialismo!”. Será que vale a pena o tempo que a diplomacia brasileira gasta com esse tipo de interlocutores? Como acreditar em Chaves, Correa, Morales ou Ortega?

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