Correio Brasiliense
Artigo - Josemar Dantas
Artigo - Josemar Dantas
editor do suplemento Direito & Justiça
Brasília, segunda-feira, 30 de julho de 2007
Em meio ao cenário degradante em que diversos atores da vida pública, como na Commédia Del’Arte, improvisam falas para se defenderem de graves denúncias de corrupção, um disparate chama a atenção. O deputado Paulo Maluf (PP-SP) entra em cena com o patrocínio de um projeto de lei destinado a punir membros do Ministério Público (MP) em casos de ajuizamento de “ação civil pública, popular e de improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política”.
É o primeiro caso na história mundial de pessoa acusada de apropriação criminosa de dinheiros públicos, na forma de processos submetidos aos tribunais pelo MP, valer-se de mandato político para infiltrar na lei reprimenda penal contra os que a investigaram e requereram sua punição. O projeto de lei de autoria de Maluf (nº 265/2007) altera as leis nºs 4.717/65 (Lei de Ação Popular), 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) e 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). Aí estão as ferramentas legais que sinalizam as prerrogativas infraconstitucionais do MP para promover a defesa da coletividade contra as condutas delituosas e abusos de agentes do poder público.
Afinal, qual a biografia de Maluf, colhida nas investigações e denúncias que marcam sua trajetória nos últimos seis anos? No início deste ano, a Justiça norte-americana decretou-lhe a prisão por considerá-lo envolvido em crime financeiro nos EUA e movimentação de dinheiro procedente de corrupção praticada no Brasil. Somam nada menos de 344 milhões de dólares os recursos que ele teria subtraído dos cofres públicos com recorrência a diversas violações à lei, segundo o MP: evasão de divisas, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e improbidade administrativa. É do que falam os mais de 30 processos em curso contra o parlamentar, lembra o promotor público Sílvio Marques, de São Paulo.
Pela proposta malufista, já em exame na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, procuradores e promotores ficarão expostos a diversas penas: detenção de seis a 10 meses, pagar dez vezes as custas e honorários advocatícios, despesas processuais, honorários periciais, indenização por danos morais e materiais. Os membros do MP não atuam como interessados, mas em nome da instituição. Não podem ser responsabilizados de forma individual por cumprirem o dever de proteger a sociedade. A conduta individual de cada um, quando verificada a má-fé, está alcançada pelo controle punitivo já previsto na lei de abuso de autoridade, no Código Penal e no Código de Processo Penal.
Em condições de clima e temperatura moralizantes seria absurdo pensar que o desvario de Maluf, ostensiva destilação de rancor para intimidar promotores e procuradores, mereceria ser objeto de exame e deliberação do Congresso. Mas, ante a agonia da decência em largos espaços da instituição parlamentar, o direito conferido à sociedade de ser amparada por um órgão ativo e independente corre o risco de ser extinto com a maior desfaçatez. Só a reação orgânica e articulada dos entes representativos da sociedade civil poderá impedir o êxito de semelhante conspiração contra o Estado de direito, o igualitarismo republicano e o regime de franquias democráticas.
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