quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Agouros geopolí­ticos


São Paulo, segunda-feira, 04 de junho de 2007
ALDO PEREIRA
ex-editorialista e colaborador especial da Folha de S. Paulo.

HUGO CHÃVEZ comprometeu, nos Últimos dois anos, cerca de US$ 4,5 bilhões de dólares em armas. Mais que a China. Precaução contra os EUA, diz ele. Será?

A lista de compras inclui:

1) nove submarinos que irão agregar-se aos dois em operações (o Brasil tem cinco);
2) quatro corvetas espanholas de patrulha oceânica e outras quatro, mais leves, para operações costeiras;
3) dez modernos aviões espanhóis de transporte militar e dois de patrulha marí­tima;
4) vinte e quatro caças-bombardeiros Sukhoi-30 e 35 helicópteros russos de transporte e combate (alguns especialistas opinam que, dependendo do radar e dos mí­sseis guiados que o equipem, o Sukhoi-30 supera qualquer caça em operação na América do Sul; mais facilmente ainda os Mirage de segunda mão que, por motivos comerciais, a Força Aérea Brasileira comprou da França;
5) um sistema Tor-M1 de mí­sseis antiaéreos russos;
6) cem mil fuzis Kalashnikov, arma-padrão das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e de reputação superada apenas pela do Colt AR-15 americano. O contrato de compra dos Kalashnikov abrange licença e assistência técnica para que, depois de entregue a encomenda (falta menos da metade), a própria Venezuela possa fabricar mais.
Chavez justifica os gastos como precaução para uma possível guerra "assimétrica" contra os EUA. Será?

O poderio norte-americano pode ser inepto na contra-insurgência (Vietnã, Iraque, Lí­bano 1983, Somália 1995, impasse na Colômbia), porém de mortífera capacidade em guerra convencional. Com seu formidável poder de fogo e avançada tecnologia, uma ação norte-americana coordenada pulverizaria em questão de horas equipamentos e instalações convencionais de qualquer Venezuela.

Portanto, o aparato aeronaval que Chavez está montando tem na mira oponentes de outra categoria. Como a Colômbia, digamos. O programa militar venezuelano desenha na geopolí­tica da América do Sul um panorama de aparências turvas, cambiáveis, contraditórias e enigmáticas, marcado pela reflexa corrida armamentista já iniciada. A constelação de forças em jogo inclui enormes poderes de intriga, suborno e lobby. Fornecedores de armas e certos grupos econômicos não só pesquisam, mas também arquitetam ou alargam tais oportunidades de negócios.

Enquanto 65 mil bolivianos e 35 mil paraguaios se entrematavam na guerra do Chaco (Bolí­via contra Paraguai, 1932-35), a Standard Oil (apoiada pelos EUA) e a Shell (anglo-holandesa, tutelada pela Inglaterra ) buscavam favorecer cada uma ao "seu" beligerante; isto é, aquele que, ao vencer, lhe concedesse direitos de explorar o petróleo da região. Há suspeitas, também, de a Inglaterra ter influí­do na Guerra do Pací­fico (1879-84) para que capitais britânicos pudessem vir a explorar salitre e cobre nos territórios peruano e boliviano que o Chile anexasse.

Respeite-se que Chavez e Morales tenham chegado ao poder por via constitucional. Mas Hitler também chegou. A história aconselha a observar com prudência o mútuo fascí­nio de lí­deres carismáticos e suas nações. Delí­rios "bolivarianos" agouram caudilhismo totalitário e intervencionista no eixo Havana-Caracas- La Paz.

Rancores irredentistas poderiam favorecer um projeto desses. Peru e Colômbia já tiveram conflitos armados, resolvidos por diplomacia, em 1906, 1909, 1911, 1922 e 1934. Também já guerrearam Equador contra Peru (1941-42 e 1995) e Bolívia contra Paraguai (1932-35).

Mesmo a Guerra do Pacífico ainda gera tensões intermitentes entre o Chile e os perdedores, Peru e Bolívia. Em 1978, velha disputa territorial por pouco não engajou em combate as armadas da Argentina e do Chile. No ano passado, apesar de pronta retratação, Morales já deu um distraí­do sinal de inconformidade com a anexação do Acre pelo Brasil em 1903.

Restrições orçamentárias têm forçado o Exército Brasileiro a recrutar menos. Minguaram as verbas para armas, munição e outros custeios de treinamento e até para rancho e uniformes. Como então guarnecer as fronteiras (2.200 km com a Venezuela, 3.400 km com a Bolí­via, e mais de 10 mil km com outros paí­ses sul-americanos) ? Ou proteger interesses como os de 400 mil brasileiros que vivem na região boliviana, onde Chavez prometeu a Morales construir bases militares?

"Se desejas a paz, prepara-te para a guerra", escreveu o estrategista romano Flavius Vegetius Renatus. Já então, no fim do século 4º, o aforismo não era novidade, apenas a expressão concisa de um antigo consenso*: É pelo poder de retaliação que se dissuade o potencial agressor.

Na verdade, este aforisma foi empregado anteriormente por um historiador grego, entre 460 a.C. e 455 a.C

Nenhum comentário: