Fonte: Crônicas da guerra na Itália – Rubem Braga – Ed. Record
Rubem Braga relata suas visitas a alguns batalhões da FEB e mostra a rotina de combate dos brasileiros na Itália, em março de 45.
No Batalhão Sizeno. Março, 1945
Vou visitar o 2º Batalhão do 1º RI.
Custamos a encontrar o PC: desde que os americanos avançaram no Belvedere e os brasileiros foram além do Castelo, a guerra se movimentou, acabou aquela agonia de patrulhinhas esparsas, e os PC mudam com velocidade instantânea. Já no regimento - subo até o sotão, mas vejo que o coronel Caiado está dormitando, cansado destes dias de agitação - o subcomandante, o sempre acolhedor tenente-coronel Samuel Pires, me diz - entre um caminhão carregado de sfollati italianos que acabam de vir da frente, montes de fenos, galinhas e carneiros, e soldados que fazem fila para o rancho - que eles tinham se mudado para ali, na véspera, de um lugar onde estavam há quatro dias, e dali a três dias iam se mudar outra vez. Mostra-me no mapa onde posso encontrar o PC do batalhão, mudado aquele dia, e, depois de algumas encruzilhadas perplexas e muita fé no rumo nordeste, aqui estou olhando outro mapa.
Passamos por Gaggio-Montano - uma aldeola de milagre, com uma torre e uma casinha no alto de um incrível penedo, onde caem granadas como gafanhotos e nada parece excessivamente arrebentado. Os alemães continuam atirando lá, e sempre atravessamos a ponte com algum susto, mas o que ouvimos com mais freqüência é o estrondo dos nossos tanques e canhões.
O mapa que o capitão Antônio Ferreira Marques mostra dá a frente ocupada pelo batalhão, e tenho vontade de ir lá dar uma espiada. O primeiro-tenente Carlos Martins Seixas me diz que o major não deve demorar: está vindo de uma inspeção às novas posições. Deve chegar a qualquer instante com dois oficiais da Artilharia e o subcomandante do batalhão, major Antônio de Barros Moreira.
Enquanto espero pelo major, ouço detalhes sobre a ação dos homens que tomaram La Serra e a cota 958. No dia 18 de fevereiro, o PC do batalhão foi atingido por uma granada de artilharia. No dia 20, a tropa tomou posição para o ataque ao Monte Castelo. Os outros dois batalhões avançaram pelos flancos; o 2º avançou pelo centro, atingindo o alto do monte depois dos outros. Uma de suas companhias, entretanto, a 5ª, ficou com o 1º Batalhão, participando de alguns dos lances mais duros do ataque. Enquanto o 1º e o 3º se firmavam nas posições conquistadas, o 2º prosseguiu. Seu objetivo era conquistar La Serra e a cota 958 - e a ordem que tinham os homens era de resistir a ataques leves do inimigo, retraindo-se caso este lançasse algum contra-ataque forte. Os homens chegaram a La Serra faltando cinco para a meia-noite, e à meia-noite em ponto o nazista contra-atacou.
Embora exaustos da marcha, os brasileiros resolveram resistir. Depois de uma luta muito dura, os alemães recuaram. As quatro da madrugada, voltaram a contra-atacar, desta vez com mais força e maior apoio. Mas os tenentes Apollo Miguel Rezk e Moisés Chahon, que comandavam os pelotões lá em cima, e o tenente Gervásio Deschamps, que subira com uma parte de seu pelotão, continuaram a resistir - embora a ordem fosse para recuar.
A luta foi feroz, mas o nazista retirou-se - para voltar às seis e meia da manhã em um contra-ataque ainda mais forte. Dessa vez o inimigo conseguiu infiltrar-se entre os dois pelotões, que ficaram cercados, e mandou uma patrulha forte até Caselina - ponto de partida de nosso ataque - atacar o pelotão que ficara de reserva. O comandante da companhia ficou das sete às oito horas sem notícia dos homens que estavam na vanguarda, pois o rádio enguiçara.
Mas nem esse, nem outro contra-ataque, duas noites depois, adiantou: os brasileiros tomaram conta definitivamente das posições e só as entregaram aos americanos no dia 28.
Enquanto conversamos, chegam o capitão Adalberto de Queiróz, da Artilharia, e o capitão Zenith Quaresma, também da Artilharia, oficial de ligação com esta subunidade. Dizem que o major virá em outro Jipe. Os dois homens estão enlameados dos pés às cabeças: informam que mais de uma vez o carro em que viajavam foi visado por tiros de morteiros e eles tiveram de se lançar ao chão. Pouco depois chega o major - e também não está muito limpo. Dez minutos depois vejo passar outro carro que vem da frente - e todos os homens estão igualmente enlameados até os cabelos.
Há pouca lama agora: é evidente que todos aqueles cavalheiros tiveram de se lançar ao chão. Um chofer me diz:
- O senhor quer ver a cara da morte? Suba por aquele morro! Mas para mim, basta ver a cara do chofer, que tem lama até nos olhos. Troco a visita às posições por uma palestra com o major Sizeno.
O major Sizeno me diz que os alemães estão batendo fortemente as posições que ele acaba de percorrer, e que por sinal são excelentes. Ocupamos agora ali uma crista sobre a terra do inimigo. O major está entusiasmado com o comportamento de seus homens: a coragem e o bom humor que eles demonstram.
- Isso é gente muito boa. Quando o Apolo e o Chahon resolveram resistir lá em La Serra, é porque eles sabiam os homens que tinham. O Apolo, ferido na mão; continuou a lutar. O praça compreende uma coisa assim. Depois, o médico do batalhão me chamou para ver um homem que aparecera para se medicar com dois estilhaços de granada fincados nas costas. Esse homem fora ferido no contra-ataque alemão à meia-noite e só foi medicado no dia seguinte às quatro horas. Aos outros, disse que não estava ferido, "só um pouco machucado", e agüentou na posição. O médico, examinando o ferimento, não sabe explicar como o homem resistiu. Eu disse ao pretinho que ele não devia ter feito aquilo: um homem ferido deve procurar se medicar logo que possível - e ele me respondeu: "Ah, seu major, os que estão lá são poucos".
O major Sizeno me dá o nome desse soldado, que está no hospital, já fora de perigo: é João Martins da Silva, número 3.526.
Conta-me ainda o caso de outro homem que, ferido de maneira dolorosa, começou a gemer. Na escuridão, os nazistas se orientavam pelos seus gemidos para atirar. Alguém lhe disse isso - e o homem agüentou a sua dor em silêncio até poder ser mandado para o posto de saúde. Esses exemplos eletrizaram os homens. Um sargento e dois soldados que um tenente mandou para o médico porque estavam estafados voltaram do posto médico, negando-se a ir para a retaguarda.
O major disse que sabia que era um sacrifício que eles estavam fazendo, mas resolveu aceitar esse sacrifício - porque realmente havia pouca gente na posição. Alguém fala de dois tenentes que entraram para o batalhão na véspera do ataque e tiveram um rude batismo de fogo. O major Sizeno guardou os nomes na cabeça:
- São dois aspirantes: Teodoro Guerra de Oliveira e Hélio Amorim Gonçalves. Nunca se pode saber o que fará um rapaz assim, quando entra em fogo pela primeira vez, e logo comandando um pelotão de fuzileiros em um ataque. Pois esses dois rapazes se portaram como veteranos. Pela coragem e bravura com que agiram, eles honram o batalhão.
O major Sizeno Sarmento, que é um amazonense alourado e tem mais jeito de capitão do que major, faz questão de destacar o bom trabalho da Artilharia, quando seus dois pelotões estavam cercados em La Serra. A precisão dos tiros foi notável. Mas seus homens ainda assim estariam mortos ou prisioneiros (os dois pelotões ficaram não somente isolados da retaguarda como divididos, com o nazista no meio) se não fosse a ajuda do 2º Batalhão do 11º RI, que estava à direita.
Atirando de flanco, os homens do 11º salvaram os do Sampaio, permitindo que eles mantivessem as posições que haviam conquistado com golpes de audácia. As posições, e os prisioneiros feitos dentro das casamatas alemãs que tinham sido cercadas - e de onde os orgulhosos nazistas saíam de mãos ao alto, quando recebiam uma bazucada pela retaguarda.
Esse elogio ao trabalho do 2º do 11º RI me deu vontade de dar um pulo até lá.
No Batalhão Ramagem. Março, 1945
Chego ao PC do 2º Batalhão do 11º RI em uma hora animada. Os americanos - os fortes, bem treinados e excelentes homens da 10ª Divisão de Montanha - estão avançando em direção a Pietra Colora, e este batalhão acompanha o movimento pelo flanco esquerdo, limpando as margens do Marano. A resistência inimiga que nossos homens encontram é pequena, mas os campos minados atrasam a sua progressão. Subimos até o observatório. As posições nazistas são batidas pelo canhonaço, e quatro Thunderbolts americanos bombardeiam um monte. Começam depois a dar mergulhos e metralhar. Cada avião faz um círculo, desce num mergulho rápido e suas oito metralhadoras ponto 50 despejam um fogo concentrado. Vemos às balas traçantes, e aqui e ali surgem chamas de incêndio. Enquanto isso, os americanos avançam pela crista à esquerda. Eles infletirão subitamente para a direita e tomarão Pietra Colora em 15 minutos. Nenhuma tropa de assalto nazista lutaria com uma audácia mais fulminante, me diz um capitão brasileiro.
As notícias que chegam das companhias são boas. A progressão inicia-se às seis e meia. Às sete horas, o pelotão do tenente Paiva Coelho já ocupava Oratório della Sassone. A 6ª, a 5ª e a 4ª companhias vão atingindo seus objetivos, ocupando Roca Pitigliana, Narechie, Bordigone, Ca'del Fabro. São aldeolas que nosso observatório domina.
Um homem ao meu lado vê, pela luneta, um americano que faz sair um alemão de dentro de um abrigo com cutucadas de baioneta. Assesto o binóculo que me emprestaram, mas os homens já sumiram atrás da crista. Vejo perfeitamente uns 14 ou 15 brasileiros que sobem cautelosamente uma encosta, perto de Santa Maria Viliana. São homens do coronel Silvino, do 1º do 6º RI. Os aviões continuam dando círculos e mergulhando sobre a carniça, impiedosamente. Não percebo nenhum sinal da artilharia nem dos morteiros nazistas. A resistência é feita somente com armas automáticas.
O observatório está cheio de visitas - e isso aborrece um pouco os homens que habitualmente estão ali. Os visitantes são imprudentes e se mostram no topo da montanha, porque o alemão não está atirando, mas está certamente nos vendo do alto do Della Croce e do Soprassasso com seus excelentes binóculos. O observatório fica "manjado" - e depois chegam as granadas. No caso, o receio é infundado: o Della Croce, o Soprassasso, e mais Castel d'Aiano, além daqueles montes ao fundo, e mais Castelnuovo à direita - tudo isso os americanos e brasileiros tomarão dentro de dois dias, numa bela arrancada.
Digo ao capitão Luís Gonzaga Pereira da Cunha que o comandante do 2º Batalhào do 1º RI me referiu a ajuda prestada aos seus homens, em um momento difícil, pelos homens daquele batalhão, e ele aponta três pracinhas que estão ali no observatório, dizendo: - Foram esses três pracinhas que salvaram o pessoal do Sizeno. São nossos esclarecedores, e o trabalho que eles fizeram foi formidável. Apesar das muitas granadas que caíam, eles foram indicando, com uma precisão assombrosa, os pontos de onde atiravam as metralhadoras e os morteiros do alemão. Uma "lurdinha" dava uma rajada e quase na mesma hora um deles dizia exatamente onde estava a "lurdinha", o que é uma coisa dificílima.
Tomo nota do nome dos três rapazes. Um deles é Jorge Antônio Ernesto Stechhan, e além de bom observador, eu haveria de ver aquela noite sua utilidade como intérprete, conversando com alguns prisioneiros alemães. Outro é Luís Kock, com quem não conversei porque estava ocupado demais com o seu serviço no momento, e o terceiro é Otelo Barbosa, que trabalhava na revisão de 'A Tribuna', de Vitória, e cujo pai, Sr. Oscar Barbosa, reside em Cariacica, Estado do Espírito Santo.
Ali perto, dentro de um abrigo “luxuoso”, de chapa ondulada, com um mapa da Europa pregado numa parede, encontrei outro rapaz de Vitória, é Aulete Faria, que estava no 2º ano do Ginásio Espírito Santo e escrevia crônicas e versos que o DEIP, então dirigido pelo poeta Ciro Vieira da Cunha, distribuía.
Dão-me agora uma luneta excelente, mas acabo cansado de espiar, e volto para o PC com o major Ramagem - a estrada é ruim, mas o sol brilha sobre as montanhas, e o tempo é doce, como nos melhores momentos de junho no Rio de Janeiro.
A tardinha é tranqüila no PC do major Orlando Gomes Ramagem. Seus homens - do 2º Batalhão do 11º RI - já fizeram o avanço previsto durante o dia, e os pelotões estão em sossego, porque aviões que roncam no céu não dão coragem ao nazista de usar a artilharia.
Vem um oficial de ligação americano dizer ao major - cujo inglês é tão ruim quanto o meu próprio - que amanhã, às oito horas, a 10ª Divisão de Montanha atacará o Della Croce. Este batalhão não funcionará, mas sim o 3º do 6º. Logo depois, o major recebe comunicação de que deve preparar seus homens para seguir para nordeste. Juntamente com tropas do 6º RI, eles irão tomar conta do flanco direito - e o arrogante nariz do Soprassasso e o cobiçado Castelnuovo, à margem esquerda da estrada que de Porretta leva a Bolonha, cairão em mãos brasileiras. O major avisa às companhias, e ficamos numa conversa mole em que ele, que é de Santa Catarina, fala com muito carinho de Vitória, e diz que comandou lá o 11º BC, por sinal que o Diário Carioca deu o boato de que ia ser inteventor federal no Espírito Santo. Vamos depois comer um jantar bem razoável - estão presentes o subcomandante, major Miguel de Sousa Aguiar, o capitão Luís Pereira de Vasconcelos e os tenentes Roberto Napo, Wilson Alves Fontoura e Cássio Abranches Viotti.
A conversa cai sobre a morte de Frei Orlando, o capelão, e todos falam dele com saudades: era um homem alegre e bem disposto.
Sou apresentado ao médico João Batista Pereira Bicudo, de Juiz de Fora, e depois ao tenente José França Americano. Os dentistas também fazem a sua guerra: quando o PC estava instalado em outro lugar, uma granada mandara estilhaços dentro do gabinete dentário - que no momento estava vazio. O comandante do Pelotão de Transmissões, tenente Nélson Cavalcanti, é sobrinho do Carlos Eiras, dos Diários Associados.
Anoiteceu. Fecham-se as janelas e pego ao acaso um papel em cima da mesa. Ali estão elogios que o comandante faz a alguns oficiais. Um deles, capitão Élio Covas Pereira, comandante da 6ª Companhia, é citado "pelo modo inteligente e calmo com que acionou seus homens e pela eficiência com que colaborou na direção do desencadeamento do plano de fogos para cobertura do flanco direito do 2º Batalhão do 1º RI", que tinha elementos ameaçados de serem aniquilados em La Serra. O capitão Henrique César Cardoso, comandante da 5ª Companhia, é elogiado pelo mesmo motivo e pela "maneira inteligente com que se conduziu no cumprimento da missão de distrair, pelo fogo, as resistências inimigas". Isso se refere à ação da tomada do Monte Castelo, de que o batalhão participou na modesta porém desagradabilíssima tarefa de fazer o que os militares chamam "operação diversionária", ou "finta", e os pracinhas dizem que é "servir de isca".
O outro oficial elogiado está presente, e já estive com ele antes no observatório, é o primeiro-tenente José Guimarães Pinheiro, filho do Sr. Sinclair Pinheiro, de Alegre, Estado do Espírito Santo. Sua senhora, D. Nely Santos Pinheiro, reside em Vila Velha, Vitória. O tenente Pinheiro foi citado "pelo modo como se conduziu durante o desenrolar do ataque do 1º RI, colhendo as mais valiosas informações sobre localizações precisas de resistências inimigas e difundindo-as aos elementos empenhados". A citação acrescenta que "graças às suas excepcionais qualidades, prestou o tenente Pinheiro valiosa cooperação à unidade vizinha”.
Um oficial telefona ao capitão Erikson Mota, da 4ª Companhia, dando instruções sobre o movimento a ser feito no dia seguinte. Depois é o capitão Américo Batista Morais, da Petrechos, que quer saber onde deve juntar seus homens. Batemos uma conversa cordial - e me arranjam uma cama de campanha e um saco forrado de plumas, no quarto dos capitães.
Primavera. Março, 1945
Foi nos campos romanos, um mês atrás, naquelas planuras graves do Lácio, que primeiro a entrevi. Pequeninas flores alvas repontavam aqui e ali na relva; adiante já formavam na extensão verde suas manchas brancas. E quando paramos para abrir nossas caixas de ração K, e o silêncio desceu sobre o feio caminhão 3/4 e nossas caras empoeiradas, sentimos na brisa a revelação do segredo: a primavera estava chegando. Depois, bem mais ao sul, em Caserta, numa área do grande Palácio do Rei de Nápoles, nós recebemos de súbito, pela manhã, um frio desmentido: um vento gelado nos lançava neve na cara, em grandes flocos.
Mas hoje, 10 de março, há uma pequena macieira florindo na porta do quartel. E a primavera começou a subir as montanhas. Ontem percorri meio quilômetro da linha de frente. Um dia estranhamente calmo, em que a guerra de repente parece um piquenique em que esqueceram de convidar as moças, um piquenique triste e sem graça. Metidos em suas buscas, postados em suas posições ou espichados ao sol do lado de cá da encosta, os soldados me davam os seus nomes para sair no jornal.
A sombra de uma árvore, sentado com vários homens, fiquei espiando a terra de ninguém e a terra do alemão. O sol, que descia para as montanhas em nossas costas, não deixaria que o inimigo lá da frente nos visse. No grande vale havia, aqui e ali, casinhas solitárias ou pequenas aldeias. Outras subiam pelas montanhas do outro lado, e azulavam longe, em vagas manchas.
Fazia frio, e o céu era azul. Acabou-se no momento aquela desgraça do inverno, com todas as posições brasileiras abaixo das alemãs.
Daqui, de onde o nazista ficava, dentro das casamatas e abrigos que ele abandonou, podemos ver lá atrás as casas onde dormíamos, as estradas por onde tínhamos de andar, as pontes que a todo o momento passávamos. E é com um binóculo alemão que um soldado me emprestou (sua presa de guerra) que posso contar os carros que esperam em fila para passar aquela ponte.
Daqui eles regulavam o tiro de seus canhões. Identifico aquele telhado sob o qual dormi nas noites geladas de janeiro, acordando com o fragor das explosões. Do alto desta montanha e de muitas outras, à esquerda e à direita, eles vigiavam os nossos movimentos, espionavam a nossa vida de atribulações e sobressaltos. Para não sermos vistos em todos os lugares, a todas as horas, estendíamos rede para vedar as pontes, entupíamos a estrada com fumaça artificial, descíamos essas mulateiras vertiginosas com os faróis apagados, na escuridão de buracos e precipícios.
Agora passeio na frente dos foxholes com a tranqüilidade de quem passeia na praia do Leme. O alemão se arrisca até aquele pequeno grupo de casas, suas patrulhas rondam às vezes aquela aldeia à esquerda e aquela outra à direita, mas sua linha deve ser nas montanhas do outro lado. E com certeza ele não virá aqui: ele espera nossos homens nas montanhas além do vale, onde cavou suas tocas e dispôs suas armas.
Olho essas montanhas. São belas inimigas. Vejo, longe, um rebanho de carneiros, e a pastora é mulher ou menina. Ainda hoje andei na neve, pisei torrões de terra gelados. Mas nos galhos nus das árvores há pequenos brotos - e aqui e ali, na encosta, surpreendemos as primeiras tímidas flores. Descemos a montanha a pé, andamos uma hora, vai escurecendo, e quando chegamos ao PC do batalhão já brilham estrelas no céu. E tudo é uma grande paz entre as montanhas.
Mas de súbito ouvimos, de vários lados, o estrondo dos tanques e dos canhões, e o sibilar das granadas, e as explosões distantes. No PC nos informam: em algum ponto foram vistos 300 alemães, e toda a artilharia da divisão brasileira e muitos canhões do IV Corpo varreram o mesmo trecho da montanha, em dois minutos, com mais de 1.200 tiros. Depois há apenas um ou outro espocar de morteiros, e a forte camponesa de lenço na cabeça nos arranja alguma coisa de comer. Dão-me uma "cama-casulo", estendo duas mantas no chão. E enquanto um homem fica em vigília para atender ao telefone, nós dormimos na doçura de uma primavera temporã, no frio fino da grande noite azul.
Um comentário:
Prezados camaradas,
Tenho profunda admiração e respeito pelos nossos gloriosos "PRACINHAS" da FEB - em missão na II Guerra Mundial, porém, em todas as literaturas já lidas, nunca ví um só comentário a respesito do Ten. Cel. Samuel da Silva Pires - Sub-comandante do 2º. Batalhão do 1º. Regimento de Infantaria, sabe-se que ele teve grande participação frente as batalhas, além de homem generoso e acolhedor, foi destemido e incentivador de toda a corporação, oficialato e praças, sempre tinha atitudes e palavras de conforto a quem o procurace.
Gostaria de ler e ouvir mais a seu respeito,gostaria de receber dicas e materiais sobre ele. compraria com o maior prazer e alegria.
Atenciosamente,
Elizeu Pires
Rua Melo Peixoto, 1770 - Tatuapé -São Paulo - CEP-03070-000
E-mail: elizeupires@pop.com.br
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