quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A guerra do Ipea: não ao alinhamento

20/11/2007

Valdo CruzValdo Cruz, 46, é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal e atuou como repórter de economia. Escreve às terças.

E-mail: valdo@folhasp.com.br

Desde o afastamento de quatro pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), todos com uma visão crítica em relação a políticas do governo Lula, tornou-se pública uma guerra interna dentro da instituição notabilizada pela sua pluralidade, uma marca registrada desde sua criação nos anos 60. Segundo pesquisadores do instituto, tudo ficou muito claro em uma reunião com o novo presidente do Ipea, Marcio Pochmann, quando ele teria dito o que desejava de sua equipe.

O tom da fala do economista, que assumiu o posto recentemente, é traduzido mais ou menos assim por quem não concorda com os rumos que Pochmann vem dando ao órgão: a determinação a partir de agora seria montar um Ipea mais alinhado ao pensamento desenvolvimentista, mais ao gosto dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil). O que, sinceramente, seria uma estupidez. O Ipea, por sua tradição e seu perfil de debatedor de políticas públicas, não pode se alinhar a essa ou aquela corrente. Seria um desserviço ao próprio governo, que assim estaria demonstrando sua total incapacidade de assimilar críticas. O que, diríamos, não é uma inverdade.

Pochmann rebate essa versão. Diz que jamais teria dito tal coisa. Segundo ele, o que disse é que o Ipea precisa "contribuir com o planejamento do desenvolvimento industrial" do país. Daí a dizer que estava determinando um alinhamento do órgão a esse tipo de pensamento haveria uma grande distância, garante ele.

O presidente do instituto assegura que não há nenhuma política de alinhamento do Ipea a essa ou aquela corrente de pensamento. "A missão do Ipea é planejar o desenvolvimento, mas não vamos abandonar as outras linhas", afirma Pochmann, que trabalhou na gestão da petista Marta Suplicy à frente da Prefeitura de São Paulo. Acrescenta que não há um "clima de intranquilidade" dentro do órgão como a mídia estaria passando.

Não é o que dizem vários pesquisadores do instituto hoje comandado por Pochmann, subordinado ao ministro Mangabeira Unger. Relatos indicariam que os trabalhos estão num ritmo lento, quase parando, diante da insatisfação com o que consideram rumos indesejáveis. Tem gente que chega a dizer que a "liturgia" do órgão estaria sendo quebrada. Em outras palavras, em vez de hipóteses serem testadas para, então, montar estudos sobre determinado tema, a linha atual seria corroborar teses do novo comando do órgão. Pode ser um exagero de quem não gosta nem um pouco da dupla Unger/Pochmann, mas que mais cedo ou mais tarde se tornará pública se for verdadeira.

O que Pochmann não pode negar, porém, é que o Ipea só tem a perder com o afastamento de pesquisadores como Fábio Giambiagi, Regis Bonelli, Otávio Tourinho e Gervásio Rezende. Podem não rezar pela mesma cartilha de quem manda no governo Lula, mas funcionavam como consciência crítica de um governo que realmente não gosta nada de ser contestado. Perdem ainda os novos economistas do órgão, que agora não terão mais o convívio com esses pesquisadores. Talvez esse fosse um dos objetivos.

O fato é que não é de hoje que gente dentro do governo reclamava da liberdade de pensamento reinante no Ipea. É lembrado um fato recente, quando o governo divulgou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e lançou a previsão de taxas de crescimento na casa dos 5%. Em seguida, veio o Ipea dizendo que aquilo só seria possível bem mais à frente. Até agora, contudo, ninguém havia resolvido mudar os rumos do instituto. As críticas ficavam nisso, em críticas. O clima parece estar mudando, apesar das negativas do novo comandante do órgão. Somente ele poderá mostrar que realmente não se trata de nada disso que todos estão dizendo. A conferir.

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