Percival Puggina
A pergunta não é minha, mas serve para ilustrar o que pretendo dizer: há vinte anos, com quinhentas unidades monetárias da época, você podia comprar uma caixa de fósforo, o rancho do mês ou um carro novo?
É difícil lembrar o valor do dinheiro numa época em que os zeros caíam da moeda em pencas de três, na mesma velocidade com que os pobres transferiam renda para a poupança dos ricos. O operador da maquineta de remarcar preços era o inimigo público número dois (o número um era o dono do supermercado porque as pessoas achavam que os preços subiam porque ele mandava...). Os intermináveis anos oitenta foram a década perdida, durante a qual a economia não cresceu (tínhamos inflação com recessão), o salário mínimo mal chegava a sessenta dólares e o pagamento feito no trigésimo dia de um longo mês de trabalho valia a metade do que fora combinado no dia primeiro.
Periodicamente, formavam-se filas diante dos postos de combustível. Quem podia estocava gêneros alimentícios. Furungar as prateleiras em busca de algum produto que houvesse escapado ao zelo do remarcador convertera-se em esporte nacional. Era de toda prudência ter alguns dólares em casa para não despertar a ira de possíveis assaltantes (porque até eles consideravam que a moeda nativa não remunerava o esforço de quem a roubasse).
Confessou-me, certa vez, o presidente de grande indústria, enriquecido durante aqueles anos malucos em que as empresas não se importavam com o setor operacional porque era do financeiro que o lucro provinha: “Demorei anos para aprender a sobreviver sem inflação”. Nossa moeda resistiu a ataques especulativos externos e a terríveis pressões internas da oposição petista que, inconformada com o sucesso de público do plano em curso, esbravejava contra a “mentira do Real”. Em 1997 houve uma crise nas bolsas asiáticas que fez balançar a nova moeda. E era perceptível o regozijo com que as cassandras da esquerda prenunciavam o desastre que exporia ao mundo os fundilhos do Real. Nenhuma das providências saneadoras da economia brasileira deixou de contar com a furiosa oposição do PT e seus aliados. Deitavam-se como mártires nos trilhos do processo de privatizações. Esgrimiam em defesa das corporações que, com a conivência dos tribunais, se assenhoreavam das empresas públicas mediante descabidas e milionárias ações trabalhistas. Era a privatização classista. Berravam contra a tímida abertura da economia (satânica globalização neoliberal). Queriam plebiscito sobre o pagamento da dívida externa. Clamavam por moratória. Xingavam o agronegócio.
Por isso, quando vejo esses senhores, auto-nomeados defensores dos pobres e oprimidos, orgulhosos de suas adegas, ternos Armani e carros oficiais, apresentarem os números da economia como honroso produto de sua inteligência, habilidade e trabalho, indago aos meus espantados e silenciosos botões: “Mas o que fizeram para que isso acontecesse?”. E, diante do silêncio dos meus botões, retorno a pergunta à memória e à consciência dos leitores.
A pergunta não é minha, mas serve para ilustrar o que pretendo dizer: há vinte anos, com quinhentas unidades monetárias da época, você podia comprar uma caixa de fósforo, o rancho do mês ou um carro novo?
É difícil lembrar o valor do dinheiro numa época em que os zeros caíam da moeda em pencas de três, na mesma velocidade com que os pobres transferiam renda para a poupança dos ricos. O operador da maquineta de remarcar preços era o inimigo público número dois (o número um era o dono do supermercado porque as pessoas achavam que os preços subiam porque ele mandava...). Os intermináveis anos oitenta foram a década perdida, durante a qual a economia não cresceu (tínhamos inflação com recessão), o salário mínimo mal chegava a sessenta dólares e o pagamento feito no trigésimo dia de um longo mês de trabalho valia a metade do que fora combinado no dia primeiro.
Periodicamente, formavam-se filas diante dos postos de combustível. Quem podia estocava gêneros alimentícios. Furungar as prateleiras em busca de algum produto que houvesse escapado ao zelo do remarcador convertera-se em esporte nacional. Era de toda prudência ter alguns dólares em casa para não despertar a ira de possíveis assaltantes (porque até eles consideravam que a moeda nativa não remunerava o esforço de quem a roubasse).
Confessou-me, certa vez, o presidente de grande indústria, enriquecido durante aqueles anos malucos em que as empresas não se importavam com o setor operacional porque era do financeiro que o lucro provinha: “Demorei anos para aprender a sobreviver sem inflação”. Nossa moeda resistiu a ataques especulativos externos e a terríveis pressões internas da oposição petista que, inconformada com o sucesso de público do plano em curso, esbravejava contra a “mentira do Real”. Em 1997 houve uma crise nas bolsas asiáticas que fez balançar a nova moeda. E era perceptível o regozijo com que as cassandras da esquerda prenunciavam o desastre que exporia ao mundo os fundilhos do Real. Nenhuma das providências saneadoras da economia brasileira deixou de contar com a furiosa oposição do PT e seus aliados. Deitavam-se como mártires nos trilhos do processo de privatizações. Esgrimiam em defesa das corporações que, com a conivência dos tribunais, se assenhoreavam das empresas públicas mediante descabidas e milionárias ações trabalhistas. Era a privatização classista. Berravam contra a tímida abertura da economia (satânica globalização neoliberal). Queriam plebiscito sobre o pagamento da dívida externa. Clamavam por moratória. Xingavam o agronegócio.
Por isso, quando vejo esses senhores, auto-nomeados defensores dos pobres e oprimidos, orgulhosos de suas adegas, ternos Armani e carros oficiais, apresentarem os números da economia como honroso produto de sua inteligência, habilidade e trabalho, indago aos meus espantados e silenciosos botões: “Mas o que fizeram para que isso acontecesse?”. E, diante do silêncio dos meus botões, retorno a pergunta à memória e à consciência dos leitores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário