quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Anotações sobre a TV de Lula


por Ipojuca Pontes


26 de novembro de 2007

Resumo: Esperar uma postura isenta de propósitos revolucionários no manuseio de um veículo de massa como a televisão, dentro das hostes engajadas do PT, é como esperar que o sol nasça quadrado.

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Durante debate televisivo com o candidato Geraldo Alckmin, no final do primeiro turno da eleição de 2006, Luiz Inácio Lula da Silva, referindo-se à questão da informação na imprensa, na televisão e nos meios eletrônicos enfatizou a necessidade do governo expandir a “democratização dos meios de comunicação” e, no mesmo diapasão, criar a Lei Geral de Comunicação Eletrônica com o objetivo de elaborar dispositivos legais para “regulamentar e descentralizar a mídia”.


Segundo documento posterior divulgado pelo PT, a nova lei cuidaria de estabelecer mecanismos para coibir a “concentração da propriedade e de produção de conteúdos e o equilíbrio concorrencial, garantindo a competitividade, a pluralidade e a concorrência por qualidade de serviços”. O documento petista – veiculado na internet sob a intensa cobertura do “dossiegate” - afirmava que seria instituído órgão setorial comprometido em fazer o recadastramento das concessões de rádio e televisão em todo o território nacional, com o respectivo cancelamento das emissoras que não estivessem “em conformidade com a lei”. Nos bastidores do poder circulava que Lula não teria engolido a cobertura da Rede Globo sobre o escândalo do dossiê que deu margem, segundo entendimento pessoal, à votação do segundo turno.


Resultado: reeleito, o ocupante do Palácio do Planalto criou por força de Medida Provisória a Secretaria de Comunicação Social, diretamente ligada à Presidência da República, cargo para cuja chefia chamou o ex-guerrilheiro e jornalista Franklin Martins, um dos participantes do grupo que seqüestrou o embaixador americano Charles B. Elbrick. À frente da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins partiu para a imediata instalação de uma rede pública de televisão (EBC – Empresa Brasil de Comunicação), também criada por Medida Provisória, em funcionamento a partir do próximo dia 2 de dezembro.


Para o cargo de diretora-presidente da EBC, Lula nomeou a jornalista Tereza Cruvinel, ex-integrante da facção Convergência Socialista (de orientação trotskista) que trabalhou, nos anos de 1970, pela fundação do PT. E para ficar à frente da diretoria-geral da empresa, foi nomeado o cineasta Orlando Sena que, por sua vez, dirigiu a Escuela Internacional de Cinema y Television de Cuba, na localidade de San Antonio de los Baños, a 30 km de Havana.


A TV criada por Lula, verdade seja dita, nasce sob o signo da fortuna. Ela reúne as estruturas da Radiobrás e da TVE e contará - de início - com cerca 2.600 funcionários, alguns dos quais contratados sem concurso e admitidos como “temporários”. Para “aprovar a linha editorial da televisão”, foi criado um conselho curador com 20 membros, dezenove dos quais nomeados pelo chefe do Executivo.


No plano financeiro, a EBC contará com R$ 350 milhões provenientes do Orçamento da União, que não poderão ser contingenciados, além de projetado fundo do Ministério da Cultura para produção audiovisual na ordem de R$ 80 milhões. Melhor: como pode se valer da publicidade institucional de estatais e empresas privadas, e patrocínio de projetos que se beneficiam das leis de incentivo à Cultura, a TV pública pretende obter, de início, cerca de R$ 60 milhões do faustoso universo de verbas publicitárias oficiais, sob o crivo da própria Secretaria de Comunicação Social - e que hoje ultrapassam a casa de R$ 1,5 bilhão/ano.


Contra tal “desvirtuamento” e temendo a inusitada concorrência oficial, integrantes da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Rede Globo, Record e SBT mobilizam-se junto a parlamentares para saber até onde vai o limite do financiamento com a publicidade oficial veiculada na TV de Lula, visto que não se trata de uma televisão privada. O Sr. Daniel Pimentel, presidente da ABERT, espera, quando da votação da Medida Provisória, que o Congresso modifique a lei que criou a Empresa Brasil de Comunicação.


No plano político, prevalece uma atitude crítica: o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), presidente da Frente Parlamentar Mista de Radiodifusão, considera, com precisão, que a EBC representa uma real ameaça à democracia, tendo em vista sua “inequívoca inspiração chavista”. Já o líder dos Democratas, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), acha impossível o não-uso político da EBC: “A TV de Lula pode ser um instrumento poderoso para a tentativa do terceiro mandato, pois ela não tem independência financeira nem administrativa. Quem paga é quem manda” – adverte.


Em contraposição às palavras de Lorenzoni, o ex-deputado Delfim Neto, convidado para integrar o conselho da rede pública de TV (e um dos empenhados signatários do Ato Institucional nº 5 que estabeleceu censura virulenta da ditadura militar sobre os meios de comunicação), não acredita que Lula faça uso publicitário da EBC, mas como na fábula do sapo e do escorpião, minimiza o problema: “É óbvio que tem sempre mensagens subliminares implícitas. Algum resíduo desses vai restar na TV Pública. Mas os conselheiros escolhidos formam um grande ninho de encrenqueiros”.


De um modo ou de outro, em que pese o impasse semântico e conceitual entre o que se tem como TV pública ou estatal, estrategicamente estabelecido, a principal ameaça da Empresa Brasileira de Comunicação reside no fato de que, nela, a informação transforme-se em mais um instrumento ideológico - subliminar ou não - a serviço do pensamento único. Não se discute hoje que os objetivos políticos do PT são de caráter hegemônico, o que vale dizer numa linguagem crítica, totalitário. Esperar uma postura isenta de propósitos revolucionários no manuseio de um veículo de massa como a televisão, dentro das hostes engajadas do PT, é como esperar que o sol nasça quadrado.


Ou que a democracia tida como “burguesa” (representativa) venha a se tornar o supremo objetivo da esquerda internacional.

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