terça-feira, 27 de novembro de 2007

A Fábula dos Porcos Assados



Certa vez produziu-se um incêndio num bosque em que viviam porcos. Estes assaram-se. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam ótimo. Então, cada vez que queriam comer porcos assados, punham fogo na floresta... Até que descobriram um novo método. Mas o que eu quero contar é o que aconteceu quando se tentou modificar o sistema, para implantar um novo.

Fazia tempo que as coisas não andavam bem. Os animais se carbonizavam, às vezes ficavam parcialmente crus, outras de tal maneira queimados que era impossível utilizá-los. Como era um processo empregado em grande escala, preocupava bastante a todos, pois se o sistema falhava em grande medida, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Eram milhares os que se alimentavam dessa carne assada, e também eram milhares os que se ocupavam nessa tarefa. Portanto, o sistema não devia falhar. Mas, curiosamente, à medida que se produzia mais, mais parecia falhar e maiores perdas causava.

Em razão das deficiências, aumentavam as queixas. Já havia um clamor geral sobre a necessidade de se reformar a fundo o sistema. Tanto que todos os anos realizavam-se congressos, seminários, conferências e encontros para se achar a solução. Mas parece que não conseguiam melhorar o mecanismo porque no ano seguinte voltavam a se repetir os congressos, os seminários, as conferências e os encontros. E assim sempre.

As causas do fracasso do sistema segundo os especialistas devia atribuir-se ou à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deviam, ou à natureza inconstante do fogo, tão difícil de controlar, ou às árvores excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao Serviço Meteorológico que não acertava com a localização, horário e quantidade de chuvas, ou a ...

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar porque na verdade o sistema para assar porcos era muito complexo. Havia sido montada uma grande estrutura, uma grande máquina com inúmeros departamentos e... Ela se havia institucionalizado. Havia indivíduos dedicados a pôr fogo, os ignmen, que por sua vez eram especialistas em setores. Incendiador ou ignifier das zonas norte, oeste, etc...; incendiador noturno ou diurno com especialização matinal ou vespertina; incendiador de verão e de inverno (havia discussões sobre outono e primavera). Havia especialistas em vento: os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Florestamento Incendiável, uma Comissão Nacional de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentares (ISCETA) e o Bódrio (Bureau Orientador de Reformas Ígneo-Operacional). O Bódrio era tão grande que tinha um Inspetor de Reformas para cada grupo de sete mil porcos aproximadamente. E era precisamente o Bódrio que patrocinava anualmente os tais congressos, seminários, conferências e encontros. Mas estes só serviam para aumentar a burocracia do Bódrio

Fora planejada e estava em pleno desenvolvimento a formação de novos bosques, seguindo as últimas indicações tecnológicas, pois estes se situavam em regiões escolhidas segundo uma determinada orientação, onde os ventos não sopravam por mais de três horas seguidas, onde era reduzida a porcentagem de umidade relativa do ar, etc.

Havia milhares de pessoas trabalhando na operação dessas florestas que logo deviam ser incendiadas. Enquanto isso, especialistas na Europa e nos Estados Unidos fiscalizavam a importação de melhores madeiras, árvores, toras e sementes. Outros, por sua vez, estudavam a maneira mais veloz e mais potente de fazer fogo. Havia também os que se dedicavam ao estudo de novas técnicas de como, por exemplo, fazer melhores armadihas para pegar porcos. Havia, além disso, grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, mecanismos para deixá-los sair nos momentos certos e notáveis técnicos em alimentação suína.

Havia especialistas em construção de chiqueiros, professores de especialistas na construção de chiqueiros, universidades que preparavam professores de especialistas na construção de chiqueiros, pesquisadores que preparavam professores de especialistas na construção de chiqueiros e fundações que apoiavam os pesquisadores das universidades que preparavam professores de especialistas na construção de chiqueiros, etc

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo na raiz quadrada de a-1, por velocidade de vento sul e soltar os porcos quinze minutos antes que o fogo médio do bosque alcançasse 47 graus de temperatura. Outros diziam que era necessário instalar grandes ventiladores que serviriam para orientar a direção do fogo. E assim por diante. E não é necessário dizer que pouquíssimos especialistas estavam de acordo entre si e cada um tinha pesquisas e dados para provar suas afirmações.

Um dia um ignifier categoria S-O-D-M-N-LL, ou seja, um incendiador de bosques, especialista sudoeste diurno matinal, licenciado em verão chuvoso, chamado João Bom Senso, disse que o probelma era muito fácil de resolver. Tudo consistia, segundo ele, em que em primeiro lugar se matasse o porco escolhido, que fosse limpado e cortado adequadamente, posto em uma grelha ou armação sobre brasas até que, por efeito do calor e não da chama, ficasse pronto.

- Matar? - perguntou indignado o Administrador de Florestas.

- Como vamos fazer as pessoas matarem? Quem mata é o fogo, nós nunca!

Quando soube do acontecimento o Diretor Geral de Assamento mandou chamar João. Perguntou-lhe que coisas estranhas andava ele dizendo por aí.

Depois que o ouviu falou a João:

- O que você diz está certo, mas apenas em teoria. Não vai funcionar na prática. Vejamos: o que você faz com os anemotécnicos em caso de se adotar o que você sugere?

- Não sei - respondeu João.

- Onde você coloca os incendiadores das diversas especialidades?

- Não sei.

- E os especialistas em sementes, em madeiras? E os projetistas de chiqueiros de sete pisos, com suas novas máquinas limpadoras e as perfumadoras automáticas?

- Não sei.

- E os profissionais que ficaram se especializando no exterior durante anos e cuja formação tanto custou ao País? Vou pô-los a limpar porquinhos?

- Não sei.

- E aqueles que se especializaram durante anos na promoção de congressos, seminários e encontros para a reforma e melhoramento do sistema? Se sua solução resolve tudo, que faço com eles?

- Não sei.

- Você percebe agora que a sua solução não é a solução de que precisamos?

- Você acha que se tudo fosse assim, tão simples, nossos especialistas não a teriam encontrado antes? Vejamos: Quais são os autores em que você se baseou para fazer tais afirmações? Que autoridade está dando respaldo às suas afirmativas? Você não pensa que eu posso dizer aos engenheiros anemotécnicos que a questão é usar brasinhas e não chamas, não é? O que faço com os bosques já preparados e prontos para serem queimados e que só possuem madeira para esse fim, pois suas árvores foram especialmente selecionadas porque não dão frutos e têm escassez de folhas? E selecionadas após longos anos de caríssimas pesquisas? O que faço, diga-me?

- Não sei.

- Que faço com a Comissão Redatora de Programas de Assamento com seus departamentos de Classificação e Seleção de Porcos e Arquitetura Funcional de Chiqueiros, Estatísticas e Agrupamento?

- Não sei.

- Diga-me: o engenheiro especialista em porcopirotecnia, Dr. J. C. de Figuração, não é uma extraordinária personalidade científica?

- Sim, parece que sim.

- O simples fato de possuirmos valiosos e extraordinários engenheiros em pirotecnia indica que o sistema é bom. E o que faço com especialistas tão valiosos?

- Não sei.

- Viu? O que você deve trazer como solução é como preparar melhores anemotécnicos, como conseguir mais rapidamente incendiadores de oeste (que é a nossa maior dificuldade), como fazer chiqueiros de oito ou mais pisos em lugar de somente sete, como agora. HÁ QUE MELHORAR O QUE TEMOS, E NÃO MUDAR. Traga-me alguma propostas para que nossos estagiários na Europa custem menos ou como fazer um bom relatório para analisar profundamente o problema da Reforma do Assamento. É disso que necessitamos. É disso que o País necessita. O que falta a você, Bom Senso, é um pouco de sensatez. Diga-me, por exemplo, o que faço com meu primo, o Presidente da Comissão para Altos Estudos e Aproveitamento Integral dos Resíduos dos Ex-bosques?

- Realmente estou perplexo - disse João, timidamente.

- Bem, agora que você conhece bem o problema, não saia por aí dizendo que você o resolveria. Agora você vê que o problema é mais sério e não tão simples como você o imaginava. Quem está de fora sempre pensa: “eu resolveria tudo”. Mas é preciso estar dentro para conhecer as dificuldades. Entre nós, recomendo-lhe que não insista com essa idéia, pois poderia ter dificuldades com o seu emprego. Não por mim. Falo pelo seu bem. Eu o compreendo e entendo sua colocação, mas você sabe, pode encontrar um superior menos compreensivo, e daí...

O pobre João Bom Senso não disse nada. Sem se despedir, entre assustado e perplexo, com a cabeça rodando, saiu e nunca mais foi visto. Não se sabe para onde foi. É por isso que dizem que nessas propostas de Reforma do Sistema falta bom senso.

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