08 de dezembro de 2004
Por Heinz Dietrich
Publicado por: http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=3060
Fonte: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=8223
Tradução e destaques em negrito: Graça Salgueiro
Tradução e destaques em negrito: Graça Salgueiro
Resumo: Aspectos técnicos de uma possível união militar sul-americana, segundo a ótica da extrema-esquerda.
© 2004 MidiaSemMascara.org
A situação das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba (FARC) frente a eventuais cenários de guerra na América Latina e no Caribe, é qualitativamente diferente à das demais Forças Armadas regulares da Pátria Grande, fato que requer profundas reflexões para avançar em um projeto realista de integração militar latino-americano, no sentido da Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS), proposta pelo presidente Hugo Chávez.
1. A doutrina constitucional cubana
As Forças Armadas Revolucionárias de Cuba nunca formaram parte de um Bloco Militar, seja com o Ocidente, América Latina ou a União Soviética, nem sequer participaram em manobras militares conjuntas com o aliado mais estreito da revolução, a URSS. Essa política, que não excluiu estreitas colaborações e cooperações com outras nações, deriva-se da filosofia política constitucional do Estado (Artigo 12); da auto-definição como país não alinhado (“Os Dez Princípios de Bandung”) e da doutrina militar resultante, definida na “Lei da Defesa Nacional”, de dezembro de 1994 (Lei 075 da Asembléia Nacional do Poder Popular).
2. A doutrina militar
A “Lei da Defesa Nacional” cubana enfatiza as históricas experiências do Exército Mambí e do Exército Rebelde, e define a Doutrina Militar Cubana “como o conjunto de idéias e concepções cientificamente argumentadas, adotadas pelo Estado sobre a essência, os objetivos, o caráter, as particularidades e as conseqüências da guerra...”, fundamentada na concepção da Guerra de Todo o Povo, como “a concepção estratégica defensiva do país”.
O Artigo 34 reza que as Forças Armadas Revolucionárias constituem “a instituição militar básica do Estado, que tem a missão fundamental de combater o agressor desde os primeiros momentos e, com todo o povo, desenvolver a guerra o tempo que seja necessário, sob qualquer circunstância, até alcançar a vitória”.
O texto “Defesa Nacional: unidade, independência e soberania”, elaborado pelo Colégio de Defesa Nacional, estabelece a posição de Cuba frente a mecanismos de Segurança Coletiva: “No que se refere à Segurança Coletiva, Cuba defende o direito de que não predomine a política de um Estado sobre outro, e assume a moção de que os interesses de Segurança Nacional devem ser respeitados em todas as partes”.
“Um aprofundamento da cooperação no terreno da segurança entre a ilha e outros países da área, permitiria avançar em alguns casos e começar a colaborar, entre outros, nos seguintes aspectos: Proteção da segurança aérea e marítima..., prevenção de pirataria e seqüestro de naves e aeronaves, vigilância e interceptação do narcotráfico..., manipulação de meios nucleares e prevenção contra epidemias. Contatos entre militares para melhorar as relações e cooperação mútuas: medidas de confiança com relação às manobras, intercâmbio de informação sobre diversos temas; encontros desportivos, históricos, culturais e acadêmicos, e intercâmbio de delegações militares, entre outras”.
3. A experiência militar
Nenhuma força militar latino-americana tem a experiência de combate que têm as FARC. As Forças Armadas colombianas, do mesmo modo que as salvadorenhas, conhecem a guerra suja contra seu próprio povo (contra-guerrilha), porém não têm a experiência da guerra convencional. As Forças Armadas Cubanas, ao contrário, acumularam conhecimentos de ambos os tipos de guerra ao longo de sua história.
Ainda não se escreveu a história de suas tropas especiais e de seus inestimáveis serviços aos movimentos de libertação nacional em El Salvador e Nicarágua, como tampouco contou-se a história do apoio logístico dentro da ilha que salvou a vida de milhares de combatentes feridos ou mutilados em muitas frentes do mundo, ou das unidades regulares que combateram desde a Síria até Angola.
4. A qualidade da liderança militar
Os dois estrategistas militares mais importantes da América Latina são Fidel Castro e o Comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), Manuel Marulanda. Fidel tem demonstrado seu extraordinário talento militar desde a exitosa condução do M-26 até a derrota da intervenção mercenária em Playa de Girón, a subversão armada na Serra do Escambray, a ameaça intervencionista e nuclear americana na crise dos mísseis e o triunfo em Angola. De uma distância de dez mil kilômetros conduzia a campanha de Angola, informando-se todas as noites em longas chamadas telefônicas com os oficiais cubanos na distante África, sobre a situação bélica e traçando os passos a seguir. Para comuicações urgentes com Moscou, existia um telefone vermelho que permitia conversações seguras sobre assuntos de interesse nacional de ambos os países.
O implacável combate à corrupção, à prepotência e o abuso de poder dentro das Forças Armadas cubanas, levada a cabo tanto por Fidel como por Raúl Castro, do mesmo modo que a constante aprendizagem da direção político-militar sobre as mais recentes tecnologias, táticas e agressões imperialistas, são elementos fundamentais da eficácia da liderança das FARC.
É legendário o procedimento analítico de Fidel, de investigar detalhe por detalhe um problema, até ter um domínio a fundo de sua complexidade. Este procedimento foi aplicado em todas as guerras de agressão recentes do imperialismo, a fim de responder de imediato às suas modificações e modernizações bélicas. Depois da guerra de Kosovo, por exemplo, Fidel estudou minuciosamente com um alto funcionário sérvio as lições dessa guerra, para aproveitá-la para o teatro de operações de Cuba.
Sob a condução de Fidel, Cuba desenvolveu, sem dúvida, a maior rede de instituições de análises da política militar e subversiva americana que existe na América Latina e no Caribe. Talvez, fosse mais correto dizer que é a única rede de análise estratégica na América Latina, com o nível analítico necessário e a integração transdisciplinar, desde a ciência até a diplomacia e a inteligência, para poder competir com as instituições correspondentes (Think Tanks) do imperialismo. Nos demais Estados, o panorama respectivo é essencialmente de fragmentação e mediocridade.
Entre as múltiplas instituições cubanas que trabalham neste campo encontra-se, por exemplo, o Centro de Estudos de Informação da Defesa (CEID), que realizará nos dias 8 e 9 de dezembro em Havana, seu II Seminário Internacional “Problemas globais que afetam a segurança da humanidade”, com a participação de M. J. López Hidalgo, General de Divisão (Ex.) e Secretário do Conselho de Defesa da Nação, da República Bolivariana da Venezuela; o General de Brigada (Res) Juan B. Pujol, investigador do CEID e Joseph Tulchin, Diretor do Programa Latino-americano do Centro Woodrow Wilson, dos Estados Unidos.
A necessidade vital de adaptar-se constantemente aos avanços bélicos do imperialismo, que Fidel e Raúl Castro promovem, é sublinhada pela experiência da recente ofensiva imperialista em Falluja, planejada sobre a experiência de guerra urbana obtida pelos agressores desde a ocupação do Iraque.
Para aproveitar a superioridade numérica dos atacantes e impedir o relevo dos defensores, o ataque principal foi levado a cabo ininterruptamente durante 72 horas. Onde os agressores não podiam usar artilharia ou bombardeios aéreos, aproveitaram o know how em guerra urbana do terrorismo de Estado israelita. Utilizaram os bulldozers Caterpillar D9-militarizados comprados ao exército israelita (IDF), para “enterrar vivos os insurgentes”, nas palavras dos comandantes americanos.
Igualmente utilizaram canhões de laser que cegaram (temporariamente?) os insurgentes o que, como dizia um general americano, “multiplicou os efeitos do fogo letal”. Outra arma empregada é o Urban Tactical Planner (UTP) ou Planificador Tático Urbano, no qual combinam-se imagens de satélites de alta resolução com avançado software de computação, para criar uma imagem tridimensional da rua ou da área urbana onde os combates terão lugar, e que revela possíveis posições de franco-atiradores, trincheiras, etc. O centro de comando dessa tecnologia é a National Geospatial Intelligence Agency, situada próximo de Washington. Uma tecnologia semelhante, desenvolvida pelo Georgia Institute of Technology, é usada pela Força Aérea, sob o nome de Falcon View.
5. Cuba, a vanguarda e o Bloco Regional de Poder Militar
As guerras de Washington em Kosovo, Oriente Médio e Afeganistão deixaram claro o padrão de combate americano para a primeira década do século XXI, nos teatros de operações do Terceiro Mundo. Deste padrão de combate se deriva, dialeticamente, o padrão de defesa exitosa de um país com tecnologia bélica inferior.
São quatro as condições básicas que um país agredido tem que cumprir, para alcançar a vitória: 1. deve ter unidade interna em torno de um projeto histórico, compartilhado pela maioria da população; 2. necessita de uma liderança à altura do desafio com uma doutrina de guerra claramente centrada em torno da definição dos centros de gravidade da defesa estratégica. Sob as circunstâncias latino-americanas atuais, essa doutrina só pode ser a Guerra de todo o Povo; 3. requer apoio internacional e, 4. necessita ser autárquico em aspectos fundamentais de logística, inteligência e retaguarda.
Essa condições cumpriram-se, essencialmente, em Cuba. Cuba está, portanto, novamente na vanguarda: oferece um paradigma militar para o futuro Bloco Regional de Poder Militar latino-americano (BRPM), tal como o apresenta nos setores de educação pública e de saúde, para toda a América Latina.
Não resta dúvida de que esse novo Fidel, que é Hugo Chávez, saberá encontrar a fórmula para que a vanguarda e o bloco do centro se encontrem em uma nova dinâmica de libertação, digna dos próceres da Pátria Grande.
6. Apresentação do livro “A integração militar do Bloco Regional de Poder latino-americano”.
No domingo, 5 de dezembro, às 17:00 h., se apresentará no Teatro Municipal de Caracas o livro, “A integração militar do Bloco Regional de Poder latino-americano”. A obra inclui abordagens do Presidente Hugo Chávez; do General Raúl Baduel, Comandante Geral do Exército da Venezuela; do Vice-Almirante Armando Laguna, Comandante Geral da Armada Venezuelana; do Vice-Almirante Carlos A. Millán, Inspetor Geral da Armada Venezuelana; General René Vargas, ex-Comandante do Exército do Equador; Coronel Jorge Brito, ex-Chefe de Operações do Exército do Equador; Coronel (Reformado) Horacio Ballesteros, do Exército da Argentina; Alexis Ponde, Presidente da Assembléia Permanente de Direitos Humanos do Equador e de quem subscreve.
A maioria dos autores participará da apresentação, junto com alguns convidados especiais. A entrada é livre e gratuita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário