quinta-feira, 29 de novembro de 2007

SS

Denis Lerrer Rosenfield
Professor de Filosofia na UFRGS.
O ESTADO DE SÃO PAULO
26/11/2007

Deveriam causar estupefação, se não indignação, o apoio e os elogios do presidente Lula, do PT e dos movimentos sociais ao ditador Hugo Chávez. A forma demagógica dessa defesa se configura como sendo a da democracia, como se esse regime pudesse ser simplesmente identificado ao da servidão socialista, cujos malfeitos desfiguraram completamente um pretenso discurso de salvação da humanidade. Parece, no entanto, que alguns não querem aprender nada com a História, apresentando o irremediavelmente velho como se novo fosse. E no nível da repetição o ditador venezuelano é inigualável.

No processo em curso, um fato tem sido pouco apreciado na torrente de novidades que jorram do projeto liberticida daquele país: o desencadear de uma corrida armamentista tem um alto significado político, inserindo-se no projeto dito de “socialismo do século 21”. O uso de uma retórica “antiimperialista”, de corte leninista, amplamente utilizada depois por Stalin, não pode encobrir uma outra afinidade, a deste projeto com o nazismo, que, relembremos, significa “nacional-socialismo”.

Deixemos de lado, por carecer absolutamente de verossimilhança, a retórica chavista de que seu objetivo militar consiste na defesa do país contra um ataque do “império”. Esta formulação não faz o menor sentido. Em caso de guerra com os EUA, este país teria condições de destruir tudo o que Chávez comprou e comprará, em alguns minutos, se tanto. Seus Sukhoi-30, seus submarinos e seus mísseis não serviriam para nada. A superioridade militar da potência do Norte é de tal monta que toda a sua capacidade militar seria destruída em poucos minutos, se tanto. Tudo o mais é pura retórica de um demagogo que procura agrupar em torno de si uma esquerda latino-americana atrasada, em busca de um ídolo.

O problema muito mais decisivo é o de suas milícias, que seriam armadas com 1 milhão de fuzis. Para que servem, precisamente? Ora, só pode ser para controlar e disciplinar o povo e, se necessário for, assassinar os opositores. O seu modelo deve ser buscado em Hitler, que constituiu uma força desse tipo, as famigeradas SS. Esta força político-policial cumpria precisamente essa função, criando uma situação que Hannah Arendt considerou própria do “terror”. Não esqueçamos que essa pensadora considera tanto o nazismo quanto o comunismo como formas do regime totalitário, nada os distinguindo em seus traços essenciais. Eis por que elaborou o conceito de totalitarismo para dar conta dessas duas experiências históricas, que atentaram contra os maiores valores da humanidade.

Chávez segue também os passos de Hitler. O nome mudou, apenas o nome. A nova SS é, agora, denominada forças “bolivarianas”, que respondem diretamente ao ditador, sendo um poder paralelo completamente dominado por ele. Trata-se de um meio direto de exercício de sua força, com o uso explícito da violência. Os ataques aos estudantes venezuelanos são somente o início desse percurso, cuja finalidade reside no aparelhamento policial de toda a sociedade venezuelana. Observe-se que Chávez, ao formar esse poder paralelo, procura “curto-circuitar” os próprios órgãos do Estado, como as Forças Armadas e a polícia. O mais plausível é que delas desconfie por abrigarem opositores ao seu projeto totalitário. O seu ganho suplementar, em bom nacional-socialista, consistiria em criar um clima de completa insegurança pessoal e institucional, quaisquer pessoas e grupos podendo ser vítimas das “milícias bolivarianas-SS”. A quem recorrer quando atacados, se se trata da força pessoal do próprio ditador? A ele, que ordenou o ataque?

Há outro paralelismo com Hitler que merece ser destacado: o uso político da guerra. O seu discurso se volta demagogicamente contra os EUA (os nazistas discorriam contra o Ocidente e seus valores decadentes), quando, na verdade, o seu alvo é regional. A corrida armamentista visa a criar uma superioridade militar para conflitos setoriais, que possibilitariam produzir um clima de união nacional contra inimigos próximos, com os quais a Venezuela teria contenciosos ou obrigações. O objetivo é instrumentalizar politicamente a guerra, de modo a calar os adversários internos em caso de necessidade. Basta criar o fato da guerra para manter a sociedade mobilizada. Um Estado que perde a sua finalidade propriamente estatal da paz pública, por carecer de instituições estáveis, precisa estar em constante movimento.

A Venezuela tem problemas fronteiriços com a Guiana, reivindicando um naco de seu território. Com sua superioridade militar - ajudada pela fraca capacidade militar brasileira de dissuasão e por afinidades ideológicas do atual governo -, uma eventual invasão daquele país seria muito plausível. No que diz respeito à Colômbia, além de alguns problemas menores de fronteira, há a afinidade ideológica com as Farc e uma rivalidade política regional. Com a Bolívia a situação é ainda mais preocupante, pela existência de um acordo militar que viabilizaria uma intervenção militar venezuelana com o objetivo de dar sustentação ao projeto socialista daquele país. Em nome de uma luta de Evo Morales contra seus opositores, contra a “direita”, o golpe do líder cocaleiro se faria com o apoio militar de Chávez, que se poderia colocar como o guardião do “socialismo” latino-americano.

A novidade que estamos presenciando em nosso continente diz somente respeito ao modo de conquista do poder para que a “democracia totalitária” possa, então, ser bem estabelecida. E mesmo aqui a novidade é apenas continental, pois os nazistas também ascenderam ao poder por meios democráticos, através de eleições. Os “socialistas do século 20”, por sua vez, fizeram uso direto da violência. Os “socialistas do século 21”, como bons discípulos de Hitler, o fazem por meios democráticos, para suprimir a própria democracia.

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