quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Como não administrar um país

Maria Inês Dolci
Folha de S. Paulo
6 de novembro de 2007

RESPONDA, POR FAVOR, o que há de comum entre leite adulterado, caos aéreo, brinquedos perigosos e a ameaça de corte de gás no Rio de Janeiro e em São Paulo?

Há a ocupação desenfreada de cargos públicos por políticos da companheirada, em lugar de técnicos qualificados.

Ou falta de administradores mais bem preparados para o exercício de cargos públicos de chefia e de direção.

Esse arrasa-quarteirão quase destruiu o Instituto Nacional do Câncer (Inca), até então uma referência no tratamento dessa enfermidade cruel.

Em 2003, uma "crise administrativa" desabasteceu as unidades assistenciais do Inca.

Motivo: a coordenadora de administração do Inca, na época, não tinha qualquer experiência no ramo.

Seu mérito era ser esposa do então presidente da Câmara Municipal do Rio.

A ocupação também tomou conta da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cujo diretor-presidente, Milton Zuanazzi, só agora renunciou a seu cargo, após meses de pressão do ministro da Defesa, Nelson Jobim - Antes de comandar a Anac, Zuanazzi foi secretário Nacional de Políticas de Turismo.

Hoje, a crise aérea só não se aprofundou porque há menos vôos, e mais caros, reduzindo o acesso da classe média baixa a esse meio de transporte.

Recentemente, soubemos que não poderíamos confiar, quem diria, nem no leite, alimento básico das crianças e dos idosos.

Pois as equipes de fiscais do Ministério da Agricultura não enxergaram que estavam misturando soda cáustica e água oxigenada ao leite nosso de cada dia.
O Ministério da Agricultura e a Anvisa, contudo, não estão sozinhos nessa dificuldade para perceber ameaças à saúde do consumidor.

Afinal, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) concedeu seu selo a brinquedos condenados fora do Brasil, por provocar ferimentos e até morte.

Agora, também descobrimos, pela imprensa, que a Petrobras havia cortado 17% do volume de gás fornecido às distribuidoras do Rio de Janeiro. E 5% do volume de gás que chega a São Paulo.

Mais adiante, vazou uma troca de correspondências entre o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, que advertiu o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, para o risco de corte no fornecimento de gás natural. Por quê? Devido à pressão de Rondeau para que a Petrobras ampliasse a oferta de gás às usinas termelétricas, a fim de não prejudicar o crescimento econômico.

Para piorar a situação, o Brasil reduziu a quantidade de gás importada da Bolívia, para ajudar a Argentina, que enfrentava uma crise energética. Agora, fala-se em reajustar o preço do gás. Essa sucessão de trapalhadas afeta bem mais do que as áreas aqui citadas. E demonstra que a conta da politicagem sempre é cobrada da sociedade, que não pode confiar no transporte aéreo, na qualidade do leite, na segurança dos brinquedos e no suprimento de gás natural quando falta chuva. E que recebe, de brinde, uma CPMF eterna, sob os sorrisos do governo e da oposição.

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