terça-feira, 27 de novembro de 2007

Fantasmas poloneses de volta à vida

Flávio Henrique Uno

Massacre de 22 mil oficiais pelos soviéticos em 1940 causa polêmica na Polônia

De um lado, a Alemanha de Adolf Hitler querendo restaurar a glória perdida do Reich e conquistar seu "espaço vital" na Europa; do outro, a União Soviética de Joseph Stalin desejosa de expandir a revolução proletária para além de suas fronteiras. Entre os dois gigantes arquiinimigos, um frágil país que ­após mais de 120 anos retalhado e ocupado pelos poderosos vizinhos - voltara ao mapa do continente apenas duas décadas antes. Foi assim que, em setembro de 1939, em meio ao infortúnio maior que se desenrolava em duas fronteiras com a dupla invasão soviético-alemã armou-se o cenário para um novo drama que ainda hoje repercute na História da Polônia: o Massacre de Katyn.

Quase sete décadas depois da execução a sangue frio de cerca de 22 mil militares poloneses prisioneiros em plena Segunda Guerra Mundial, a ferida continua aberta. Na semana passada, o presidente Lech Kaczynski foi obrigado a voltar atrás na decisão de antecipar uma cerimônia em homenagem aos mortos no massacre após protestos indignados das famílias das vítimas, que o acusaram de querer fazer uso eleitoral de uma tragédia nacional no pleito do próximo dia 21. Por sua vez, o celebrado cineasta Andrzej Wajda acaba de lançar "Katyn", de­dicado à memória de seu pai, morto na carnificina. Ele pediu que o filme não seja explorado nas urnas.

Em abril de 2006, sobreviventes da pavorosa chacina e parentes das vítimas levaram o tema à Corte Européia de Direitos Humanos, numa ação contra o governo que protege - por um silêncio e uma culpa histórica que mantêm parte dos arquivos referentes ao caso sob segredo de Estado - os assassinos porventura ainda vivos. Para estes, nunca houve um Nuremberg. E nem poderia haver: o massacre da fina flor da oficialidade e da intelligentsia polonesas não foi perpetrado pelos derrotados nazistas de Hitler, mas sim pelos vitoriosos comissários soviéticos de Stalin, com quem a Polônia sequer estava em guerra.

- Ficamos surpresos e com muito ódio dos russos quando soubemos. Não acreditávamos que podiam ter feito aquilo com prisioneiros de guerra desarmados - recorda Ignacy Felczak, de 78 anos, presidente da Associação dos Combatentes Poloneses do Rio de Janeiro, que participou da resistência aos nazistas como escoteiro e depois como militar.

Aliados se calaram por conveniência

Uma pequena aldeia nos arredores da cidade russa de Smolensk,, Katyn é um desses lugares que ajudam a definir uma nação. Situado a ­cerca de 560 quilômetros da fronteira polonesa atual mais próxima, o vilarejo ainda assim é parte inseparável da identidade moderna do país. No mês passado, o presidente Lech Kaczynski ali esteve depositando flores em homenagem àqueles que foram as primeiras vítimas polonesas do comunismo, na primavera de 1940, cinco anos antes de o regime ser instalado em Varsóvia no rastro das botas dos soldados soviéticos que avançavam rumo a Berlim.

Katyn entrou na História como símbolo de infâmia. Num bosque em seus arredores, homens da temida NKVD de Stalin (a precursora da KGB) executaram com tiros na cabeça 4.404 oficiais poloneses. Em duas outras localidades, mais 10.200 tiveram o mesmo fim. Na "Bielorrússia e na Ucrânia, mais 7.305 foram mortos, totalizando cerca de 22 mil pessoas. Todos tinham sido feitos prisioneiros pelo Exército Vermelho após a invasão soviética no leste da Polônia, em setembro de 1939, enquanto Hitler esmagava o pais pelo oeste.

- Os oficiais poloneses teriam sido uma importante força anticomunista se tivessem sobrevivido e voltado à Polônia ao fim da Segunda Guerra. Eles eram fortemente católicos, nacionalistas e irredutivelmente anti-soviéticos, e mesmo presos continuaram atividades contra-revolucionárias. Um percentual alto era de S reservistas com formação universitária, constituindo uma parte importante da elite polonesa. Portanto, tanto em termos numéricos quanto qualitativos, um poderoso corpo de oposição em potencial (à sovietização da Polônia) foi removido – explicou ao GLOBO o historiador George Sanford, especialista em Europa Oriental da Universidade de Bristol e autor do livro "Katyn e o massacre soviético de 1940" (sem edição em português).

A chacina em massa foi revelada pelos alemães em 1943, após a invasão da União Soviética e a descoberta das fossas coletivas. Muitas famílias tiveram então a esperança de conhecer o destino de parentes militares desaparecidos no conflito. Na casa do jovem Ignacy Felczak, cujo irmão Boleslaw, tenente do Exército estacionado na região ocupada pelos russos e que nunca mais dera noticias, desde a invasão em 1939, cada nova lista de nomes de vítimas do massacre divulgada pelos alemães trazia a expectativa de uma notícia sombria.

- Durante décadas ficamos sem saber se ele tinha sido executado ou não em Katyn. Só em 2001, uma sobrinha minha descobriu que ele morreu lutando contra os alemães perto de Varsóvia - conta ele, que veio para o Brasil em 1960. Moscou, no entanto, sempre negou qualquer responsabilidade pelo crime, jogando a culpa sobre a Alemanha nazista, um conveniente bode expiatório na época. Com o Exército Vermelho assumindo o ônus principal de perdas humanas na luta contra Hitler, os aliados preferiram não desagradar Stalin e se calaram, apesar de saberem da verdade já na época.

Somente nos estertores do comu­nismo, em abril de 1990, o líder reformista soviético Mikhail Gorbachov assumiu a culpa de seu país na execução em massa. Arquivos rus­sos foram abertos, mas parte deles ainda permanece fora do alcance público, gerando atrito nas relações entre Varsóvia e Moscou. E, apesar da atitude de Gorbachov, confirma­da por seu sucessor, Bóris Yeltsin, os poloneses ainda esperam uma expiação maior da carnificina.

- A Rússia afirma que o Massacre de Katyn foi um crime comum, enquanto a Polônia acredita que foi genocídio. Atualmente, a Polônia quer obter os arquivos referentes ao crime, mas o processo de transferência de documentos foi bloqueado - explicou, de Varsó­via, Andrzej Arseniuk, porta-voz do Instituto de Memória Nacional, que investiga crimes cometidos por nazistas e comunistas na Polônia.

Rússia reluta em fechar ferida de vez

• Ainda capitaneada por um mem­bro do antigo regime comunista convertido pelas circunstâncias dos tempos à democracia (o presidente Vladimir Putin, ex-agente da KGB), a Rússia reluta em dar o passo definitivo para fechar essa ferIda histórica. Para o historiador George Sanford, mais do que uma declaração de culpa, o tema tem a ver com a democratização da própria Rússia.

- Só quando a elite russa e o povo aceitarem sua responsabilidade pelo crime em sua totalidade, como os alemães fizeram ao pedirem perdão pelos crimes do nazismo, será possível uma reconciliação de verdade entre russos e poloneses.

RELACIONAMENTO CONTURBADO

• Vizinhas e com uma origem eslava em comum, a Rússia e a Polônia se viram em campos opostos em boa parte de sua História moderna - e com a balança pendendo em favor dos russos. Após o gradual enfraquecimento do reino da Polônia nos séculos XVI e XVII, o país finalmente sumiu do mapa no fim do sé­culo XVIII, como resultado de três partilhas consecutivas que o retalharam entre Rús­sia, Áustria e Prússia.

No século XIX, levantes nacionais poloneses foram duramente sufocados pelos russos, que proibiram até o uso do idioma no país em diversas instancias. Com a Rússia em frangalhos por causa da Primeira Guerra Mundial e da revolução bolchevique, os poloneses aproveitaram e conquistaram sua independência em 1918.

Espremido entre a Alemanha e a União Soviética, em 1939 o país foi novamente
esmagado pelos vizinhos, que o dividiram entre si no início da Segunda Guerra. O fim do conflito coma derrota alemã em 1945 não significou, porém, a redenção dos poloneses. Ocupada pelo Exército Vermelho e transformada em república comunista, a Polônia perdeu território para a URSS (compensado com terras alemãs) e foi novamente submetida ao controle externo - ainda que indireto - do Kremlin. Somente em 1990 o país voltou a ser plenamente independente.

Clique n link abaixo e veja os corpos empilhados em vala comum.
http://www.youtube.com/watch?v=uTipYEWfdOc






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