sábado, 29 de setembro de 2007

OS FUNERAIS DE LENNIN

Os funerais de Lênin
Por Ney Vilela
Coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela

Em alguns encontros acadêmicos de que participei, nos últimos meses, observei que muitos intelectuais (alguns deles, de grande valor) discursaram sobreestimando as qualidades do marxismo revolucionário. Alguns despenderam milhares de palavras para auto-elogiar virtudes teóricas e a capacidade de sacrifício em favor da revolução. Entendo porque esse comportamento tornou-se costumeiro: nos velórios, é costume sobrevalorizar as qualidades do defunto.


Parece que os intelectuais não aprenderam a lição mais importante a ser extraída do colapso comunista: é necessário manter a distância entre os planos teóricos e o desenvolvimento histórico dos projetos políticos. Ou seja, todas as utopias levam ao terror se houver uma tentativa realmente séria de concretizá-las. As teorias e seus indissociáveis discursos ideológicos são ferramentas muito importantes para a compreensão e, a partir daí, para a orientação de ações coletivas. Porém, importam apenas enquanto ferramentas, estando sempre sujeitas a retificações e ajustes de acordo com a experiência; nunca funcionariam como um esquema fechado a ser reproduzido em sua elegante coerência, no mundo imperfeito, contudo maravilhoso, da aventura humana. Porque tais tentativas são, na melhor das hipóteses, racionalizações céticas de interesses pessoais ou de grupo. E na pior delas, quando se acredita e se age em função dessas tentativas, tais construções teóricas tornam-se fonte de fundamentalismo político, produzindo enxurradas de totalitarismo e terror.


Os revolucionários da academia já deveriam estar maduros para reconhecer que a prática política bem sucedida sempre anda nos limites da história e não tenta progredir aos saltos, mas através de um processo de adaptação aos contornos da evolução social e da aceitação do lento processo de transformação do comportamento humano. Esta constatação nada tem a ver com a distinção entre reforma e revolução. Quando as condições materiais e a consciência subjetiva são transformadas no corpo da sociedade a tal ponto que as instituições não mais correspondem a essas condições, uma revolução (pacífica ou não) faz parte do processo normal da evolução histórica.


O problema é que as vanguardas intelectuais esforçam-se no sentido de acelerar o tempo histórico em um ritmo superior àquele efetivamente aceito pelas sociedades, com o objetivo de satisfazer seu desejo pelo poder e aplicar sua doutrina teórica. Quando as “vanguardas do saber” vencem, dão uma nova forma à sociedade, mas só conseguem seu intento à custa do estrangulamento das almas e tortura dos corpos. Os intelectuais que sobreviveram ao colapso do comunismo poderiam refletir (no conforto de suas bibliotecas) sobre os excessos de seu sonho revolucionário distorcido.


As revoluções são muito importantes e onerosas demais em termos de vidas humanas para serem deixadas sob direção dos teóricos. Depende do povo, lançando mão de quaisquer ferramentas que estiverem ao seu alcance, inclusive teóricas e organizacionais, buscar e tomar o rumo coletivo de sua vida social. O paraíso artificial criado por uma política de inspiração puramente teórica deve ser enterrado para sempre com o Estado soviético. É hora de encerrar os discursos de velório e partir para os funerais de Lênin. Porque a lição mais importante a ser aprendida com o colapso do comunismo é a percepção de que o único sentido da história é a história que nos faz sentido.

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