sexta-feira, 28 de setembro de 2007

DIREITOS RELATIVOS E OUTRAS AMEAÇAS

Direitos relativos e outras ameaças
Por Leonardo Arruda - Engenheiro
Diretor de Divulgação e Marketing da ANPCA
Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas

Quando, em 1988, o Congresso Nacional introduziu no texto da Constituição que a propriedade tinha que ter uma “função social”, todas as pessoas de bom senso no país ficaram apreensivas – e com toda razão. Foi instituído no Brasil a “propriedade relativa” dos bens. Para os socialistas e inocentes de um modo geral, isso foi uma “grande conquista”. Na prática, foi aberto o caminho para a ditadura. Quem vai dizer o que é “função social”? Quais os critérios e a gradação desta “função social”? O que fazer com a propriedade sem função social?

Diante disso, não é de se estranhar que, em 02 de maio de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha julgado constitucional a Lei 10.826 – o Estatuto do Desarmamento, aprovada por voto de lideranças na Câmara dos Deputados em dezembro de 2003. Esta lei simplesmente acabou com o direito de propriedade, com o “direito adquirido”, com o “ato jurídico perfeito” e acabou com o direito à indenização dos bens expropriados. Em outras palavras: o STF rasgou a Constituição. Tudo isso porque alguns luminares do governo entenderam que a arma particular do cidadão não tem função social - ou pior: é socialmente maléfica. Por este motivo, os cidadãos proprietários de armas legais não têm mais direitos constitucionais.

O que me causa maior espanto é que a maioria dos juristas, jornalistas e “intelectuais” do país não está nem um pouco preocupada com isto. Grande parte dessas pessoas não possui nem gosta de armas de fogo – o que é um direito deles. Mas não perceber o atentado perpetrado contra às liberdades e garantias constitucionais da sociedade é inadmissível.

Os jornalistas, por exemplo, vivem preocupados com a volta da censura sobre seus trabalhos. Dizem que o direito de opinião é sagrado. No entanto, quando o governo federal impõe o limite de 25 anos para adquirir uma arma de fogo, isto não é uma censura aos cidadãos maiores de idade? E se o governo proibisse a revista Veja de ser adquirida por menores de 25 anos? Afinal,como dizia Stalin, idéias são mais perigosas que armas.

A justificativa para este limite de idade é que a maior parte das vítimas de armas de fogo está nesta faixa etária (palavras do Ministro Ricardo Lewandowski do STF). Além de ser um raciocínio esdrúxulo (elas deixarão de ser vítimas se forem desarmadas?), a idéia por trás é que cabe ao governo nos proteger de nós mesmos.

Vamos extrapolar este raciocínio para outros campos. O governo poderá proibir totalmente, ou limitar aos maiores de 25 anos, andar de motocicleta – por exemplo. Afinal é senso comum que este é um veículo perigoso. E qual a função social de uma motocicleta com mais de 100hp? Segundo o STF, é perfeitamente constitucional uma proibição deste tipo.

Outra aberração constante na Lei 10.826, é que para adquirir uma arma o cidadão deverá justificar a “efetiva necessidade” da mesma. Não basta ser aprovado no teste psicotécnico e no teste de proficiência com armas, se o delegado (ou outro burocrata qualquer) entender que o cidadão não tem a “efetiva necessidade” ele poderá negá-la. Mais ainda, essa medida não é válida apenas para armas novas. Mesmo um cidadão que possui arma há mais de 30 anos também terá de justificar sua efetiva necessidade a cada três anos. Já pensaram no potencial de corrupção que isso traz?

Agora vamos conjugar a “efetiva necessidade” com a “função social”. Imaginemos os seguintes diálogos:
“- Para que o Sr. quer um carro esporte? Nós só autorizamos a compra para pilotos que vão competir. Afinal qual a função social de um carro onde só cabem duas pessoas?”
“- Férias no exterior? Qual a necessidade disso? Nós só autorizamos viagens a negócios. O Sr. deve fazer turismo no país, pois o turismo interno tem função social”.

Parece absurdo? Sim, mas para o STF é constitucional. Lembrem-se que o absurdo para uns é o lógico para outros. O que garante nossos direitos como cidadãos contra os desmandos do governo é a Constituição. Se esta é desrespeitada, tudo é possível.

A Lei 10.826 estabeleceu que os registros estaduais de armas não tem mais validade e que todos os proprietários de armas deverão recadastrá-las em nível federal e renová-los trianualmente, pagando a quantia de R$300,00 a cada vez. Quem não o fizer corre risco de prisão. Já imaginaram se o governo federal decidir que todos os registros municipais de imóveis não terão mais validade e que os proprietários deverão recadastrá-los em nível federal pagando uma taxa de aproximadamente 30% do valor do imóvel? Parece absurdo? Sim, pois o registro do imóvel (assim como o da arma) é um ato jurídico perfeito. Se o governo quiser alterar este registro, que o faça sem ônus para os proprietários e muito menos sem ameaçá-los de prisão. Já pensaram em ter que renovar a certidão de nascimento (ou de casamento) a cada três anos pagando uma elevada taxa para isso? Para o STF estas são medidas perfeitamente constitucionais.

Ao cobrar uma taxa de registro equivalente a cerca de 30% do valor da arma, o governo criou um imposto confiscatório, o que também é proibido pela Constituição. É evidente que essa taxa absurda não é para remunerar o trabalho da Polícia Federal, mas sim para impedir as camadas menos favorecidas da população de adquirir ou manter uma arma de fogo. Será que a sociedade pode aceitar a criação de taxas confiscatórias contra tudo aquilo que o governante de ocasião não gostar?

Nossa Constituição estabelece que não pode haver confisco no país e que qualquer desapropriação deverá ser indenizada pelo justo valor em dinheiro. Mais ainda, diz que ninguém pode ser privado de seus bens sem o devido processo legal. Entretanto, aquele que não recadastrar sua arma legalmente possuída, no prazo estipulado pelo governo, não poderá mais fazê-lo e terá a arma confiscada e destruída em 48 horas sem direito à indenização. Já pensaram se essa medida for aplicada aos automóveis? Quem não pagar o IPVA no prazo não poderá mais fazê-lo e terá o veículo confiscado e sucateado em 48 horas. Parece absurdo? Sim, mas para o STF é constitucional.

Observem um detalhe interessante da lei: não é crime possuir uma arma de fogo. Inúmeras pessoas, de diversas categorias profissionais, podem possuir armas particulares (tais como os juizes). O crime está em não possuir o registro federal da arma (punível com um a três anos de reclusão). Nunca um documento foi tão importante quanto este no Brasil. Imaginem se o governo decidir dar o mesmo tratamento à carteira de identidade. Quem for surpreendido na rua sem seu RG poderá passar de um a três anos na cadeia. Parece absurdo? Sim, mas para o STF é constitucional.

Poderia prolongar este texto com inúmeras outras inconstitucionalidades e absurdos do Estatuto do Desarmamento, tais como o ataque ao princípio federativo, o fim do direito à Legítima Defesa, etc., etc.. Não vou fazê-lo dado os limites deste artigo. Acho que a idéia principal está lançada: ao aceitar o que parece politicamente correto, mesmo sendo inconstitucional, a sociedade abriu um flanco perigosíssimo em seus direitos e liberdades individuais. A partir de agora, tudo pode acontecer.

Lembram-se do Referendo de outubro de 2005? Pois bem, nesta data o povo brasileiro manifestou-se, com sólida maioria, pela manutenção do direito de adquirir e possuir armas. Este direito foi negado pela Lei 10.826 e agora referendado pelo STF em total desrespeito a vontade expressa do povo. Será isso a tal democracia relativa?

Julgo imperioso que algo seja feito para que nossa suprema corte não continue fazendo julgamentos políticos e cumpra seu papel de fiel guardiã da Constituição. Podemos pensar em acabar com a nomeação dos ministros pelo Presidente da República, pois indicações políticas induzem a julgamentos políticos. Pode-se pensar em alguma forma de meritocracia no Poder Judiciário para a condução de um juiz concursado até o mais alto posto de Ministro do STF. Enfim, do jeito que está não pode continuar.

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