MILÍCIAS PRIVADAS
Por Nemerson Lavoura
Colaboração: Leo Medeiros
Site O Quinto Poder (http://www.oquintopoder.com.br/segpublica/ed106.php)
Certa vez tive de ir a Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio, para uma festa de aniversário infantil. Na hora de ir embora, já no início da noite, bateu aquela dúvida comum a todo carioca: "E agora, qual é o caminho menos perigoso para voltar para casa?" O mais rápido, explicaram-me alguns, seria passar pelo meio da favela de Rio das Pedras para alcançar mais rapidamente a Barra da Tijuca. Dali, eu seguiria para a Zona Sul, passando pelos lugares perigosos de sempre (Túnel Dois Irmãos embaixo da Rocinha, etc).
Mas passar pelo meio de uma favela enorme, num carro com minha mulher e minha filha de um ano e seis meses? Não seria loucura demais, não ?Foi aí que a dona da casa onde estávamos interveio, dizendo calmamente: "Vá pela avenida que passa pelo meio da favela de Rio das Pedras. Não é apenas mais rápido. É também muito mais seguro" . Depois explicou: em Rio das Pedras havia uma "polícia mineira" ou coisa parecida, que tinha expulsado ou matado TODOS os traficantes do lugar. Não há tráfico em Rio das Pedras, e o índice de criminalidade na favela é mais baixo do que na maioria dos bairros da Zona Sul da cidade (isto é realmente impressionante, principalmente porque Rio das Pedras fica ao lado da Barra, bairro de classe média alta, cheio de mauricinhos e patricinhas cheiradores de pó. E mesmo assim não há um traficantezinho só na favela, que é enorme!).
Como este era também o caminho mais fácil, eu criei coragem e segui, ressabiado, em minha "aventura" pela favela. Sábia decisão. Ruas recém-asfaltadas, comércio funcionando a pleno vapor, pessoas passeando ou sentadas em cadeiras à beira da rua, conversando, semblantes tranqüilos, paz total - creio que Rio das Pedras foi o trecho mais seguro da voltapara casa (no entanto, é claro que eu, como bom carioca e brasileiro, não relaxei em momento algum). Eu lembrei deste episódio ao ler, hoje, a manchete principal do jornal O Globo: "Milícias armadas tomaram 72 favelas do tráfico no Rio". Segundo a reportagem, grupos liderados por policiais ou ex-policiais militares estão "vendendo proteção" e expulsando traficantes de 72 comunidades das regiões de Jacarepaguá, Barra, Pedra de Guaratiba, Conjunto Nova Sepetiba e Zona da Leopoldina. É óbvio que, como sói acontecer nestes casos, o tom da reportagem é de "indignação" com mais este "desrespeito ao estado de direito". Pequena digressão: quando comecei a ler a matéria, pensei logo que este tom fingido de indignação seria apenas mais uma demonstração de hipocrisia do esquerdismo-zona-sul que domina o jornalismo brazuca. Lêdo engano. Logo no segundo parágrafo aparece a verdadeira causa da revolta da Globo: as "milícias armadas" estão montando centrais clandestinas de TV a cabo, conhecidas como "TV a gato", que já possuiriam mais de "600.000 usuários no Rio". Ou seja, o que preocupa a Globo (e com razão)é o roubo do sinal da NET - só que ela tenta envolver esta questão numa aura politicamente correta de combate à "opressão" das polícias mineiras.]
Ora, se fôssemos todos um pouco menos hipócritas, e se estas "milícias" forem todas como as de Rio das Pedras, deveríamos é bater palmas para a expansão destes grupos por outras favelas, pois são estas "milícias" que estão salvando os favelados do terror do tráfico. É óbvio que toda pessoa normal (entre as quais eu ainda me incluo) prefere que o Estado detenha o monopólio da violência, e que somente a polícia exerça o ofício de prender ou matar traficantes. Só que a polícia já mostrou há muito tempo sua incapacidade em cumprir este papel. Além disso, os políticos abandonaram a população à sua própria sorte, ignorando solenemente o tema do combate à criminalidade. A própria sociedade já entregou os pontos, e vem aceitando o inaceitável e convivendo com o insuportável. E, mais grave ainda, parte do Poder Judiciário e da população mais abastada vêm se solidarizando abertamente com os criminosos. Desta forma, quando uma determinada comunidade, abandonada pelo poder público e pelo restante da população, busca o auxílio de uma "milícia armada" para defendê-la - e essa milícia paralela, ao contrário da oficial, funciona -, o mínimo que nós deveríamos fazer é parabenizar estas pessoas por terem se mobilizado para resolver seus problemas, em vez de ir docilmente para o matadouro. Pedir que a polícia combata estas "milícias privadas" é hipocrisia em estado puro, pois seu fim acarretaria o retorno imediato do reinado de terror dos traficantes. Para quem mora nos bairros ricos ou de classe média, é fácil se indignar com a existência de "milícias particulares".
Não são eles que vão ter de conviver diariamente com os horrores do tráfico e da bandidagem em geral. É até engraçado ler, na reportagem, a opinião de gente como o incompetente ex-secretário nacional antidrogas Walter Maierovitch. [outra digressão: é sempre cômico ver gente que já trabalhou para o governo em determinada área e não fez merda nenhuma - ou fez muita merda - vir posteriormente pontificar na imprensa sobre assuntos desta mesma área]. Maierovitch, que vive citando como um papagaio a "operação mãos-limpas" italiana, mas que nunca teve coragem de lutar por algo semelhante quando esteve no governo, comparou as ditas "milícias" à máfia italiana. Ora, a máfia cobrava uma taxa dos comerciantes para protegê-los dela mesma. Quem não pagasse era morto ou tinha seu estabelecimento destruído. As "milícias" cariocas podem até adotar represálias para quem não contribui, entretanto elas oferecem proteção contra um perigo real: a bandidagem. Elas oferecem (ou impõem, que seja) um serviço, mas cumprem suas obrigações direitinho. Entregam o que prometem.Quem age como a máfia é o Estado. É ele que cobra uma "taxa de proteção", sob a forma de impostos exorbitantes, que só protege contra ele mesmo. Se você não pagar,
O Estado também adotará represálias - a não ser que você seja amigo de algum capo governamental. Esta é a máfia tropical. Portanto, senhores, menos hipocrisia, por favor. Ofereçam segurança à população, ou deixem as "milícias" em paz.
1: O fenômeno das "milícias particulares" mostra também outra coisa: a eterna supremacia da iniciativa privada sobre a estatal. Os mesmo policiais que fazem corpo mole quando trabalham para o Estado são de uma eficiência ímpar quanto trabalham "por conta própria". E por que deveria ser diferente? No emprego oficial, os policiais ganham um salário ridículo para arriscar a vida na defesa de uma sociedade que os despreza. No bico particular, recebem o reconhecimento que interessa a todo mundo: dinheiro.
2: Aliás, a ação das "milícias" também prova que criminalidade se combate com repressão, o resto é papo furado. Medidas sociais são para a população honesta, e só muito indiretamente ajudam no combate à criminalidade. E mais: quando trabalham para o Estado, os policiais prendem e os juízes, cheios de "consciência social" e "idealismo", soltam logo em seguida. Quando trabalham para as "milícias", os mesmos policiais mandam estupradores e assassinos para os braços de Satanás. É só olhar para a favela de Rio das Pedras para verificar qual das duas políticas funciona. (Haverá quem leia isto e diga, sem parar para pensar: "Ah, este é mais um troglodita de direita!". Paciência. Tem gente que se recusa a enxergar a realidade, mesmo quando ela está na sua cara. Que façam psicoterapia!).
3: Apesar de tudo, eu também sou a favor do "monopólio estatal da violência", do "devido processo legal", etc, etc, etc. Só que o Estado brasileiro já perdeu o monopólio da violência há muito tempo - e perdeu para os bandidos. Quando isto acontece, a população começa a tentar se defender do jeito que pode. Neste caso, impedir a população de se defender é crueldade pura e simples - típica de gente que se acha muito progressista e solidária. E eu já não tenho mais paciência com este tipo de gente, que vive em condomínios fechados e não sai da Zona Sul.
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