sexta-feira, 28 de setembro de 2007

ENTREVISTA DO DONO DA RCTV DA VENEZUELA

Marcel Granier, dono da RCTV, a emissora fechada por Chávez, denuncia os ataques à democracia e às instituições na Venezuela

Entrevista: Marcel Granier (revista VEJA)
Fábio Portela

A escalada totalitária na Venezuela não é motivo de preocupação apenas para os venezuelanos. É também fonte de inquietação para todos aqueles que, na América Latina, defendem a democracia e seus pilares: a liberdade de opinião, de expressão e de associação e a livre-iniciativa. Tais pilares estão sendo gradativamente destruídos no país vizinho pelo presidente Hugo Chávez. Na semana passada, ele desferiu mais um golpe contra a democracia, ao cumprir a sua ameaça de fechar a emissora RCTV, a de maior audiência da Venezuela. Chávez o fez simplesmente porque em seus telejornais a RCTV não seguia à risca a cartilha de louvação a tudo o que Chávez faz ou diz.

Nas páginas amarelas desta edição (VEJA), o proprietário da RCTV, Marcel Granier, fala ao repórter Fábio Portela sobre o cerco chavista que acabou por levar ao fechamento da emissora. Granier é um homem de coragem. Na derradeira transmissão da RCTV, que será substituída no ar por um canal dirigido por comparsas de Chávez, ele fez um discurso memorável: "De que nos acusam? De pensar com independência, de exercer um jornalismo crítico, de levar à tela da televisão, com sentido democrático e venezuelano, visões e opiniões distintas das do governo nacional. De rechaçar o sectarismo e a exclusão. De ser dignos como sabemos que são dignos os venezuelanos que lutam pela liberdade". Uma bela lição.

Hugo Chávez quer ser Fidel Castro, mas a Venezuela não quer ser Cuba. Na semana de fechamento da RCTV, uma onda de protestos tomou conta das ruas de Caracas. Seus protagonistas são estudantes que, ao defender a liberdade de expressão e opinião, enfrentam os cassetetes e as bombas da polícia chavista. Essa juventude, escarnecida pelo tirano, é a prova de que ele não conseguiu abolir todos os sinais de vida inteligente no país, como mostra o repórter Duda Teixeira, enviado por VEJA à Venezuela. Os estudantes daquele país deveriam servir de exemplo aos jovens da América Latina, na luta contra o populismo que lhes ameaça o futuro e o de suas nações.

Até a semana passada, a Rádio Caracas Televisão era a maior emissora da Venezuela. Fundada em 1953, alcançou o primeiro lugar em audiência investindo em entretenimento, especialmente novelas e programas humorísticos. A RCTV, como se tornou conhecida, também transmitia os mais respeitados telejornais do país. Sob o comando do empresário Marcel Granier, noticiou, desde o fim dos anos 90, as constantes investidas do presidente Hugo Chávez contra a democracia venezuelana. No início, Granier liderou outros empresários do setor de comunicação. Neste ano, ficou isolado.

Outras emissoras que se opunham a Chávez capitularam, e a RCTV passou a formar, junto com a Globovisión, a última trincheira a defender a sociedade dos atentados do governo contra as instituições democráticas. "Refletíamos o que ocorria no país. Defendíamos a democracia, a liberdade, o pluralismo e o intercâmbio de opiniões", diz Granier. No último fim de semana, ele perdeu sua emissora. Por determinação direta de Chávez, a RCTV saiu do ar. Uma onda de protestos tomou conta de Caracas, a capital venezuelana. Talvez seja o último suspiro da democracia naquele país. Granier falou a VEJA.

Veja – Por que o presidente Hugo Chávez fechou a RCTV?
Granier – Ele não estava satisfeito com a linha editorial da emissora. Deixou claro que a decisão de fechar a RCTV teve motivação política e caráter retaliativo. Chávez não gosta de ouvir opiniões diferentes das dele, sobretudo quando são divulgadas pela emissora líder de audiência. Algum tempo atrás, ele teve problemas com outra estação, nossa concorrente. Pressionou essa emissora até que a linha editorial fosse alterada. Quando conseguiu o que queria, manifestou publicamente seu contentamento. No nosso caso, o presidente disse com todas as letras que gostaria de ver alterações em nossa linha editorial. Queria uma TV menos crítica. Nós nos recusamos a obedecer a essa imposição. A RCTV foi fechada por isso.

Veja – Como a Justiça se posicionou?
Granier – A Justiça apoiou o governo, mas é fácil entender por quê. O Poder Judiciário na Venezuela está sofrendo um violento processo de intervenção. Se um juiz decide contra os interesses chavistas, é destituído e substituído por outro favorável ao governo. Chávez ameaça e mantém os juízes em uma situação contínua de insegurança. Para se ter uma idéia do que se passa, um grupo de advogados analisou 6 000 decisões tomadas pela câmara política do Tribunal Supremo de Justiça, que julga os casos em que o governo é parte. Das 6 000 decisões, somente seis foram contrárias ao governo – e os juízes que tomaram essas decisões foram substituídos.

Veja – O governo confiscou equipamentos da RCTV?
Granier – Por ordem desse mesmo tribunal, o governo tomou nossa rede de antenas retransmissoras, que é a maior do país e cobre mais de 90% da Venezuela. Oficialmente, não é um confisco. Mantemos a propriedade das antenas. Só não podemos usá-las. O tribunal nos obrigou a ceder seu uso ao governo, que as utiliza sem pagar nada.

Veja – A freqüência da RCTV foi entregue a uma emissora pública recém-criada por Chávez. Como é a cobertura jornalística das TVs públicas na Venezuela?
Granier – Em regimes democráticos, as emissoras públicas devem estar a serviço do estado. Na Venezuela, elas foram convertidas em meros instrumentos de propaganda do presidente. Todas, sem exceção. Nos governos anteriores, não era assim. Agora, funcionários e diretores dessas emissoras admitem em público, sem nenhum constrangimento, que não trabalham para fazer uma televisão independente, mas para apoiar o projeto político de Chávez. Sua cobertura é totalmente parcial.

Veja – O governo usa as verbas oficiais de publicidade para pressionar a imprensa e a televisão?
Granier – Sim. Nos últimos tempos, toda a publicidade oficial foi cortada na RCTV. Na Venezuela, a sobrevivência de boa parte da mídia depende das verbas publicitárias oficiais. Para jornais e emissoras de rádio e TV amigos de Chávez, há muitíssima publicidade – o que representa milhões e milhões de bolívares. Para quem se atreve a criticar o governo, nada.

Veja – Na sua opinião, Chávez tem um plano de controle da imprensa?
Granier – Não há dúvida de que Chávez busca a hegemonia nas comunicações. São visíveis a concentração de poder, a arbitrariedade, o abuso, o autoritarismo, o desaparecimento dos espaços públicos de debate. A cada dia, menos jornalistas têm programas independentes de opinião e menos meios de comunicação se atrevem a ser independentes ou dar voz à oposição. Vemos esse processo de confisco da liberdade avançar pouco a pouco.

Veja – Como ele começou?
Granier – O primeiro passo foi a intimidação, a linguagem de ódio. O presidente passou a usar expressões agressivas para atacar jornalistas, editores, humoristas e até caricaturistas. Isso incitou ataques físicos contra eles. Muitos apanharam dos militantes chavistas. Já vão para mais de 800 os jornalistas agredidos. Alguns foram assassinados. A etapa seguinte foi a pressão econômica, por meio das verbas de propaganda. O último ato foi o que fizeram conosco, a tomada do sinal de transmissão. A mensagem é clara: quem não se portar como Chávez quer perderá a freqüência. Outros canais de televisão, como a Globovisión e até a CNN, já estão sendo ameaçados.

Veja – Como a televisão e a imprensa da Venezuela cobrem o fechamento da RCTV?
Granier – É simples. Quem não tem anúncios publicitários do governo acompanha o episódio e informa a população. A imprensa que está saturada de anúncios do governo desinforma sobre o caso.

Veja – No Brasil, o governo quer instituir um modelo de "classificação indicativa" para a TV. Alguns temem que essa prática implique uma política de autocensura das emissoras. Aconteceu algo semelhante na Venezuela?
Granier – Sim. Primeiro, a autocensura foi estimulada por uma reforma do Código Penal. Hoje, os funcionários públicos que discordam de alguma notícia podem processar e prender jornalistas. É fácil imaginar como isso implica a autocensura. Depois, o governo aprovou uma lei que chamo de "lei da mordaça". Ela instituiu essa tal classificação indicativa. Os programas de TV foram divididos em gêneros – noticiosos, educativos... Estabeleceu-se o que poderia ser divulgado em cada um deles. As regras são muito ambíguas, e um chavista analisa os programas. Quando ele acha que houve excesso ou descumprimento de regras, aplica multas pesadíssimas.

Veja – O senhor considera legítimo o governo do presidente Hugo Chávez?
Granier – Ele começou de maneira legítima, com sua primeira eleição, em 1998, mas se perdeu. Seus atos posteriores o desqualificaram como um governo democrático. Estamos a caminho de uma ditadura, de um regime francamente totalitário. Não há nenhuma legitimidade nisso. Chávez não foi eleito para acabar com a democracia.

Veja – Que sinais comprovam, em sua opinião, que a Venezuela caminha para a ditadura?
Granier – Infelizmente, há mais do que sinais. O presidente governa com uma coalizão de partidos, mas quer unir a todos no Partido Socialista Unido da Venezuela. Ou seja, quer instituir um sistema de partido único. Na Assembléia Nacional, o nosso Congresso, Chávez confiscou os poderes parlamentares, por meio de uma lei habilitante. Ele não precisa mais dos congressistas para governar. A Constituição, que só poderia ser reformada com a aprovação da sociedade, tornou-se matéria secreta. Ele a modifica em segredo, sem informar ao país. Quer eliminar as polícias regionais e criar uma única polícia nacional, controlada por ele. Para completar, expropria sem nenhum argumento empresas que prestavam serviços plenamente satisfatórios à sociedade venezuelana. Por um lado, ocorrem cada vez mais arbitrariedades e, por outro, há uma concentração absoluta de poderes nas mãos de Chávez.

Veja – Diante dessa situação, a imprensa venezuelana não deveria mostrar-se mais indignada?
Granier – Muita gente se calou e continua calada. Não são poucos. Vários meios de comunicação chegaram a acordos com o governo, modificaram sua política editorial e justificam essa mudança com o argumento de que é a única maneira de sobreviver. Na RCTV, a consciência não nos permitiu agir assim.

Veja – O governo procurou entrar em acordo com a RCTV?
Granier – Procurou.

Veja – Como foi a conversa?
Granier – Houve muitas. Em várias ocasiões, o presidente enviou emissários para conversar conosco. Eles agiram com discrição, para manter esses contatos ocultos. Fizeram diversas propostas, todas flagrantemente ilegais e imorais. Não aceitamos.

Veja – Nas últimas semanas, o senhor viajou pela Europa e pelos Estados Unidos para denunciar o fechamento da RCTV. Qual é a imagem de Chávez nos países em que o senhor esteve?
Granier – No mundo democrático, há uma clara consciência de que o governo de Hugo Chávez é arbitrário, autoritário e comete abusos. Há consciência de que existe um risco iminente de que se converta em um regime totalitário. Há também uma idéia clara de que, na Venezuela, existe muita, muita corrupção. Sobretudo por parte do governo. O país é considerado inseguro, tanto do ponto de vista físico quanto do jurídico.

Veja – Se é assim, por que Chávez conta com o apoio de uma parcela significativa da população venezuelana?
Granier – Ele estabeleceu uma relação afetiva com setores da população. Aqui, há 8 milhões de desempregados, o que equivale a um terço da população. O governo tem um programa que distribui dinheiro mensalmente a essas pessoas. A única coisa exigida é que os interessados se registrem no partido de Chávez. Esse dinheiro não lhes dá um emprego digno, mas lhes dá alguma renda. É melhor ter alguma renda do que não ter nenhuma. Essas pessoas sentem que o presidente Chávez resolve seus problemas. Por isso, estão dispostas a sacrificar sua liberdade.

Veja – Esse programa tem alguma semelhança com o Bolsa Família do governo brasileiro?
Granier – O presidente Lula tem diferenças claras em relação a Chávez. Lula não veio do ambiente militar. Nunca foi um conspirador. Nunca planejou golpes. As pessoas podem não estar de acordo com ele, mas a trajetória de Lula é democrática. Ele não manda prender aqueles que têm opiniões diferentes. Pode ser que não goste de críticas, mas daí a mandar prender uma pessoa ou fechar um meio de comunicação existe uma distância muito grande. O Brasil é um país com instituições muito mais sólidas que a Venezuela. Há uma oposição, há um Congresso, há um Poder Judiciário que, apesar de todos os problemas, funcionam. Aqui, essas instituições estão sendo eliminadas.

Veja – O chavismo tornou a Venezuela mais burra?
Granier – As políticas do presidente Chávez são absurdas. Baseiam-se em conceitos do século XIX que fracassaram, como a luta de classes, o sectarismo e a exclusão. Estamos regredindo às piores idéias: a negação da economia privada, da eficiência dos mercados, da democracia, das instituições autônomas. Todos esses conceitos estão sendo atacados pelo governo Chávez. Não sei se "burra" é a palavra exata, mas vemos, sim, idéias fracassadas sendo retomadas. Copiamos modelos fracassados, como o de Fidel Castro.

Veja – Quais são as medidas de Chávez que encontram mais resistência entre a população?
Granier – Há muita preocupação com o alinhamento com Cuba e com os presentes oferecidos a governos estrangeiros. Também desagrada à população a ingerência da Venezuela em assuntos de outros países, como estamos vendo na Bolívia. Lá, o governo Chávez tem sido um fator de perturbação permanente, sobretudo desde que Evo Morales chegou ao poder. Morales segue todas as orientações de Chávez, em especial no que diz respeito à indústria de petróleo e de gás. Nosso governo também promove desestabilização no Equador e na Nicarágua, tenta meter as mãos no Peru e na Colômbia e cria problemas em toda a América Central. A última novidade foi essa ridícula aliança com o Irã para "enfrentar os Estados Unidos". É uma idéia na qual a maioria absoluta dos venezuelanos não vê nenhum sentido. Uma loucura.

Veja – Agora, com a RCTV fechada, o senhor se arrepende de ter assumido uma postura crítica em relação ao governo?
Granier – Não posso me arrepender. Os meios de comunicação têm responsabilidades, fazem parte de um sistema de liberdade, de pluralismo, de tolerância, e não podem comportar-se como instrumentos de um partido político nem de um autocrata. Não sei se no futuro conseguiremos voltar a transmitir, seja por cabo, via satélite ou pela internet. Mas sei que fizemos o que devia ser feito. Jamais me arrependerei disso.
O PT, o PSOL e o manifesto liberticida
Por Demétrio Magnoli
Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP)
fonte: http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2007/06/03/ali-1.93.19.20070603.9.1.xml?
Domingo, 3 junho de 2007
Ao hipotecar apoio a Chávez no episódio da RCTV, os dois partidos pregam que a crítica seja monopólio do governo

Os eventos de 18 anos atrás que culminaram com a queda do Muro de Berlim, na antiga Alemanha Oriental, já foram narrados sob todos os ângulos. Mas há detalhes que quase escaparam ao registro histórico. Um deles é o seguinte. Quando se alastravam as manifestações populares contra o regime comunista, alguns dirigentes do PT participavam, na Alemanha Oriental, de um curso de formação política promovido pelo SED (Partido Socialista Unificado, como se chamava o partido comunista no país).
Um dia, os manifestantes cercaram a sede do SED, exigindo o fim do sistema de partido único. Dentro do edifício, os petistas ouviam aulas sobre o futuro socialista da humanidade ministradas por um poder em adiantada putrefação.O episódio não é totalmente irrelevante, ainda mais à luz dos acontecimentos desta semana. Domingo passado, um minuto antes da meia-noite, o sinal da emissora venezuelana RCTV saiu do ar em definitivo, dando lugar às transmissões de mais uma tevê estatal. Nas ruas de Caracas, policiais reprimiam manifestantes que protestavam contra o fechamento da emissora, decidido pelo governo de Hugo Chávez. Horas antes, em Brasília, a embaixada da Venezuela recebia um manifesto de apoio ao ato de Chávez assinado pelo PT e pelo PSOL.
Os dois principais partidos de esquerda do Brasil, que vivem às turras, encontraram um eixo programático comum: a supressão da liberdade de opinião daqueles que não concordam com um governo “socialista e revolucionário”.“Esta empresa privada, além de veicular todas as baixezas típicas de uma TV comercial, faz propaganda aberta contra o processo revolucionário, tendo sido protagonista do golpe fascista de 11 de abril de 2002.” O trecho do manifesto entregue na embaixada sintetiza os argumentos do governo Chávez para interromper a concessão da RCTV. A emissora, de fato, apoiou o golpe, mas isso foi há cinco anos - e num país cujo presidente emergiu para a vida política por meio de um golpe militar frustrado.
O jornalismo da RCTV não esconde sua oposição ao governo e, realmente, editorializa o noticiário. Contudo, na Venezuela atual, o governo dispõe, para incensá-lo, de uma emissora pública ainda mais tendenciosa e de uma poderosa emissora privada cada vez mais dócil ao chavismo.Chávez apresenta o seu “socialismo do século 21” como uma entidade a ser inventada, diferente de todos os socialismos anteriores. A diferença é decrescente, no que concerne ao pluralismo político. Mas subsiste ao menos uma diferença crucial: o regime venezuelano não parece seduzido pela idéia de estatização geral da economia e mantém excelentes relações com grandes magnatas - entre os quais Gustavo Cisneros, o bilionário mexicano que controla a rede Venevisión. No passado, a acusação de “golpismo” foi dirigida também contra Cisneros.
Agora, sua rede aparece como principal beneficiária da audiência liberada pelo fim da RCTV e das verbas de publicidade oficial em emissoras privadas.Manifestos partidários de apoio a um governo estrangeiro não são documentos banais. Mas nem todos os manifestos se equivalem. É razoável hipotecar apoio a um governo legítimo (ou apenas legal) contra um golpe de força - como o golpe antichavista de 2002. Coisa diferente é prestar homenagem a um governo - qualquer governo - que usa o poder para banir a divergência. O ato do PT e do PSOL deve ser classificado como manifestação de áulicos e de liberticidas.Os cortesãos brasileiros de Chávez se imaginam “socialistas” e “revolucionários”, tal como o alvo de sua corte. Eles se enxergam partícipes da corrente histórica que tem por fonte a obra de Karl Marx. Sugiro-lhes que leiam o que vai a seguir: “Tanto a liberdade é a essência do homem que mesmo seus oponentes a implementam, enquanto negam sua realidade; eles querem se apropriar, para si mesmos, como um mais que precioso ornamento, daquilo que rejeitaram como ornamento da natureza humana.
Nenhum homem combate a liberdade; no máximo, combate a liberdade dos outros. Portanto, todos os tipos de liberdade sempre existiram, apenas que às vezes como privilégio especial, às vezes como direito universal.”Isto, que um signatário do manifesto liberticida qualificaria inadvertidamente como “pensamento burguês”, foi escrito por Marx, em maio de 1842, na Nova Gazeta Renana. É parte de uma série de artigos sobre a liberdade de imprensa - isto é, bem entendido, a favor da liberdade de imprensa. Embora dirigidos contra a censura prussiana, os textos não defendem a liberdade de imprensa em bases conjunturais, mas como um princípio inegociável.
No mesmo artigo, existe a constatação de que, em todos os lugares, “documentos governamentais oficiais experimentam perfeita liberdade de imprensa”, e uma outra, que a complementa: “A verdadeira censura, baseada na essência mesma da liberdade de imprensa, é a crítica. Esse é o tribunal que se desenvolve a partir da liberdade de imprensa. Censura é crítica como monopólio do governo.”Marx estava certo. O PT e o PSOL querem que a crítica seja monopólio do governo - do “seu” governo, é claro. Quando firmam o manifesto, os dois partidos estão dizendo que são frutos podres da árvore tombada do stalinismo. Há algo de positivo no ato deplorável: o fim das ilusões, para quem ainda as nutria, sobre a natureza política dessas agremiações.
Depois desse manifesto, só tolos rematados podem acreditar na sinceridade das proclamações democráticas de seus dirigentes.Hoje, o PT não fala mais de socialismo - mas a palavrinha permanece no seu programa. O socialismo é o nome do PSOL. O PSOL não sabe dizer o que é o seu socialismo, como o PT também não sabia. Os dois, porém, sabem dizer uma coisa: o socialismo deles, como o “socialismo real” que naufragou no leste europeu, viria a ser o reino da liberdade como monopólio dos que têm o poder. No fim das contas, aquilo que querem para a Venezuela não pode ser tão diferente assim do que querem para o Brasil.PT e PSOL têm, nas suas fileiras, alguns parlamentares cujos nomes estão ligados, na percepção pública, à noção de democracia.
Seria injusto atribuir responsabilidades automáticas pelo manifesto liberticida a figuras como Eduardo Suplicy, José Eduardo Cardozo ou Chico Alencar. Por outro lado, eles não podem se fingir de paisagem para sempre. Se não erguem a voz para cobrar a retratação das direções partidárias, tornam-se parte do programa de abolição das liberdades públicas. Nessa hipótese, seus nomes devem ser relacionados pelos eleitores na lista dos liberticidas - no caso, numa lista especial de farsantes liberticidas.

Nenhum comentário: