O serviço secreto do PT
HUMBERTO TREZZI
Saiu na Zero Hora
http://www.clicrbs.com.br/jornais/zerohora/
Flagrado prestes a comprar um dossiê antitucano, o serviço secreto do Partido dos Trabalhadores desta vez fracassou. Mas, desde 1989, vinha colhendo uma série de sucessos nos bastidores de disputas presidenciais.
A campanha daquele ano viu nascer o setor do partido especializado em atacar adversários e defender correligionários. Ele é chamado por muitos militantes de Abin (referência à agência que sucedeu o Serviço Nacional de Informações do regime militar). Outros preferem o apelido de KGB, numa lembrança ao serviço secreto da extinta União Soviética, matriz ideológica de fundadores do núcleo.
Surgida logo depois da primeira derrota de Lula à Presidência, esta central de boatos e contra-insurgência teve como um dos mentores José Dirceu, o deputado federal paulista que 16 anos depois seria cassado por envolvimento no mensalão.
Dirceu pregava no PT a necessidade de reagir a golpes baixos como o uso, por Fernando Collor, do depoimento da mãe de Lurian, filha de Lula: na TV, ela declarou que à época da gravidez o petista a pressionara a abortar. A bomba, lançada às vésperas da eleição de 1989, ajudara a derrubar as pretensões do petista.
Desde então o PT agiu mais como estilingue do que como vidraça nas disputas presidenciais, sempre com base no núcleo de inteligência.
Um dos primeiros "agentes" da Abin do PT foi Waldomiro Diniz, braço-direito de Dirceu, homem de confiança de Lula. Caixa da campanha de Dirceu a deputado federal, Diniz conviveu com ele em Brasília por 12 anos.
Era Diniz quem carregava dossiês que alimentaram a mídia nas CPIs de PC Farias e dos Anões do Orçamento, além de petardos contra o governo FH, como as denúncias contra o chefe de gabinete do presidente tucano, Eduardo Jorge.
Diniz mudou-se com Dirceu para a Casa Civil quando Lula se elegeu. Conforme petistas confidenciaram a ZH, Diniz era o encarregado na Casa Civil de negociar emendas parlamentares com vistas a resolver problemas de congressistas nas votações de interesse do governo. Ele sairia das sombras para a má fama após ser filmado negociando com um empresário do ramo de jogos propina para subvencionar campanhas políticas. Seria o primeiro grande escândalo no governo Lula.
Com baixas eventuais, a central de denúncias do PT continua ativa. Um dos que confirmaram a Zero Hora a existência do grupo é o sindicalista Wagner Cinchetto, 43 anos. Jornalista, ele atuou por dois anos na Força Sindical (entre 1991 e 1993), de onde saiu atirando petardos contra o então presidente Luiz Antônio de Medeiros.
Cinchetto, que nos últimos anos atuou como "consultor informal" da Central Única dos Trabalhadores (CUT), admitiu ontem, em entrevista por telefone a ZH, ter integrado o grupo que gestou três montagens de dossiês contra adversários de Lula na campanha presidencial de 2002: contra os vices de Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS) e contra José Serra (PSDB).
Outros integrantes, segundo Cinchetto, eram Ricardo Berzoini (presidente do PT, afastado semana passada da coordenação de campanha de Lula) e Oswaldo Bargas (também afastado da cúpula da campanha), amigo de Lula desde os tempos do sindicalismo
Cinchetto, atualmente rompido com o PT, ressalva:
- Não que fizéssemos algo ilegal. Nunca entrou dinheiro na nossa história, a meta era tornar público coisas contra os adversários e interceptar denúncias contra nosso pessoal.
O dedo do PT em ESCÂNDALOS
1992
Missão: derrubar Collor
Agente: José Dirceu
Petistas ilustres ajudaram a municiar a imprensa com dicas sobre corrupção no governo Fernando Collor. Parte dos dossiês originou a CPI de PC Farias, tesoureiro de campanha de Collor. Ele acabou condenado por sonegação de impostos, e Collor sofreu impeachment. Entre os que abasteceram a mídia com denúncias, estava um grupo de assessores ligado ao deputado federal José Dirceu (PT-SP).
1993
Missão: derrubar os Anões do Orçamento
Agente: Waldomiro Diniz
O serviço de inteligência do PT convenceu o ex-diretor do Senado José Carlos Alves dos Santos a dar entrevista mencionando os nomes dos parlamentares que cobravam propina das empreiteiras para apresentar emendas destinando recursos a grandes obras. Como os parlamentares eram quase todos de baixa estatura, a investigação levou o apelido de CPI dos Anões do Orçamento (na foto acima, a leitura do relatório da CPI). Foi sugerida a cassação de 18 deputados. Destes, seis foram condenados e perderam o mandato, entre eles Ibsen Pinheiro, posteriormente inocentado nos processos criminais. O principal assessor do PT a municiar a mídia foi Waldomiro Diniz.
2002
Missão: afastar suspeitas
Agentes: José Dirceu e Gilberto Carvalho
O prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), foi seqüestrado, torturado e assassinado. As investigações apontaram para um esquema de cobrança de propina supostamente montado por ele para beneficiar o partido. Petistas que trabalhavam com ele, suspeitos do homicídio, foram grampeados pela Polícia Federal. Sob o comando de José Dirceu e Gilberto Carvalho (ex-secretário do prefeito Celso Daniel e atual chefe de gabinete de Lula), o serviço acionou procuradores para impedir que os conteúdos dos grampos vazassem para a mídia. A Justiça invalidou os grampos.
1998
Missão: examinar o Dossiê Cayman
Agente: José Dirceu
Apesar de estar em disputa com o PSDB, o serviço de inteligência do PT ajudou a desarmar uma bomba contra os tucanos. Alertou o candidato Lula de que eram falsos os papéis do Dossiê Cayman e não deveriam ser usados na campanha daquele ano. O dossiê atestava a existência de uma empresa criada em nome de integrantes do PSDB em paraísos fiscais, para envio ilegal de dinheiro. Entre os donos fictícios da empresa estariam o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso e o então ministro da Saúde, José Serra. Perícias mostraram a falsidade dos documentos.
2002
Missão: neutralizar Garotinho
Agente: Oswaldo Bargas
A mando de Oswaldo Bargas (que era da campanha de Lula à reeleição, até o estouro do Dossiê Cuiabá), emissários do PT procuraram o candidato a vice-presidente pelo PSB, Paulo Costa Leite, e tentaram convenê-lo a abandonar a chapa encabeçada pelo governador fluminense Anthony Garotinho, ameaça em potencial à candidatura de Lula. Costa Leite renunciou porque, entre as informações que vazaram sobre ele na campanha, estava a de que integrara o Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem do regime militar.
Missão: neutralizar Ciro
Agente: Wagner Cinchetto
Wagner Cinchetto, um dos integrantes do serviço de inteligência do PT, vazou para a imprensa documentos que apontavam a compra superfaturada de uma fazenda e desvio de dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) por parte de Paulo Pereira da Silva, candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes (PPS). O dossiê ajudou a naufragar a candidatura de Paulinho e Ciro.
Missão: neutralizar José Serra
Agente: Wagner Cinchetto
Wagner Cinchetto e o serviço do PT conseguem, com funcionários do Banco do Brasil, documentos sobre supostas irregularidades num empréstimo feito por um parente de José Serra. A papelada resultou numa ação civil pública do Ministério Público contra o responsável pelo empréstimo, Ricardo Sérgio de Oliveira, também caixa de campanha dos tucanos. A mídia foi avisada. Serra, que já estava atrás nas pesquisas, perdeu a eleição para Lula.
2006
Missão: neutralizar os tucanos
Agentes: Jorge Lorenzetti Oswaldo Bargas
Chefe do serviço de inteligência da campanha de Lula à reeleição, Jorge Lorenzetti foi o principal articulador da negociação do Dossiê Cuiabá, que tinha informação supostamente comprometedoras para candidatos do PSDB à Presidência e ao governo de São Paulo. Bargas, também da cúpula da campanha, ofereceu o dossiê à revista Época, em uma reunião reservada da qual participou Lorenzetti.
A sombra de Dirceu
O ex-governador catarinense Esperidião Amin tinha um apelido para o núcleo de inteligência do PT: PTpol, trocadilho da palavra Interpol e da "polícia do PT". Senador à época da CPI do Orçamento, em 1993, Amin achava "fantástica" a rapidez com que José Dirceu apresentava documentos que só um espião poderia conseguir.
Dirceu tinha como obsessão contra-atacar petardos como o lançado por Collor, em 1989, envolvendo Lurian, a filha de Lula desconhecida dos eleitores.
Quando atuava na guerrilha, escondido do regime militar em Cuba, Dirceu fez na ilha de Fidel curso de informações, contra-informações, estratégia e segurança militar. Acabou se tornando para o PT, em tempos democráticos, o que o general Golbery do Couto e Silva era para a ditadura militar: um ideólogo e conspirador.
A presença de Dirceu permeou o núcleo de inteligência do PT em episódios decisivos nas eleições presidenciais desde 1989. Apenas na compra do Dossiê Cuiabá o dedo de Dirceu não aparece. Mas um dos envolvidos, Hamilton Lacerda (então assessor do candidato a governador de São Paulo Aloizio Mercadante que admitiria ter participado da tentativa de divulgação do dossiê) é homem de confiança de Dirceu desde 1989.
O economista Paulo de Tarso Venceslau, ex-guerrilheiro fundador do PT e expulso do partido em 1997 depois de denunciar que Lula teve contas pagas por um amigo, diz que o esquema de fabricação de dossiês surgiu de uma união entre sindicalistas do ABC e leninistas liderados por José Dirceu. Do grupo para gerar denúncias que facilitassem a chegada ao poder faziam parte Waldomiro Diniz e Silvinho Pereira (ligados a Dirceu) e Jorge Lorenzetti e Oswaldo Bargas (ligados à CUT). O encontro dos grupos, na região do ABC paulista, foi apelidado Clube do Mé.
A influência de uma gravação
- Era um aparelho para torpedear as campanhas inimigas e ajudar os amigos. O Sindicato dos Bancários paulistano abriu uma rubrica para auxílio financeiro dos companheiros desempregados e ligados ao grupo. Hoje não precisa mais, o aparelho tomou conta do Estado - opina Venceslau.
Entrevista: Wagner Cinchetto, consultor sindical que integrou o núcleo
Rompido com o PT e a CUT, o consultor sindical Wagner Cinchetto, 43 anos, conta a Zero Hora como agiu no grupo:
Zero Hora - Em 2002, o senhor gravou uma fita que apontava para contas do deputado Luiz Antônio Medeiros no Exterior. Foi a pedido do PT?
Wagner Cinchetto - Do Oswaldo Bargas e do atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Eu tinha trabalhado com o Medeiros e gravei uma fita com provas de conta secreta no Exterior que resultaram num enorme dossiê. O pedido de cassação do Medeiros estava pronto. Mas aí conversaram, e ele concordou que o PL fizesse o vice de Lula. O PT votou contra a cassação.
ZH - O presidente Lula sabia?
Cinchetto - Olha, o Bargas era homem forte do Lula, a mulher dele era secretária do presidente.
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