segunda-feira, 17 de março de 2008

ZERO HORA: a Central de Inteligência do PT

O serviço secreto do PT

 

HUMBERTO TREZZI

Saiu na Zero Hora

http://www.clicrbs.com.br/jornais/zerohora/

 

Flagrado prestes a comprar um dossiê antitucano, o serviço secreto do Partido dos Trabalhadores desta vez fracassou. Mas, desde 1989, vinha colhendo uma série de sucessos nos bastidores de disputas presidenciais.

 

A campanha daquele ano viu nascer o setor do partido especializado em atacar adversários e defender correligionários. Ele é chamado por muitos militantes de Abin (referência à agência que sucedeu o Serviço Nacional de Informações do regime militar). Outros preferem o apelido de KGB, numa lembrança ao serviço secreto da extinta União Soviética, matriz ideológica de fundadores do núcleo.

 

Surgida logo depois da primeira derrota de Lula à Presidência, esta central de boatos e contra-insurgência teve como um dos mentores José Dirceu, o deputado federal paulista que 16 anos depois seria cassado por envolvimento no mensalão.

 

Dirceu pregava no PT a necessidade de reagir a golpes baixos como o uso, por Fernando Collor, do depoimento da mãe de Lurian, filha de Lula: na TV, ela declarou que à época da gravidez o petista a pressionara a abortar. A bomba, lançada às vésperas da eleição de 1989, ajudara a derrubar as pretensões do petista.

 

Desde então o PT agiu mais como estilingue do que como vidraça nas disputas presidenciais, sempre com base no núcleo de inteligência.

 

Um dos primeiros "agentes" da Abin do PT foi Waldomiro Diniz, braço-direito de Dirceu, homem de confiança de Lula. Caixa da campanha de Dirceu a deputado federal, Diniz conviveu com ele em Brasília por 12 anos.

 

Era Diniz quem carregava dossiês que alimentaram a mídia nas CPIs de PC Farias e dos Anões do Orçamento, além de petardos contra o governo FH, como as denúncias contra o chefe de gabinete do presidente tucano, Eduardo Jorge.

 

Diniz mudou-se com Dirceu para a Casa Civil quando Lula se elegeu. Conforme petistas confidenciaram a ZH, Diniz era o encarregado na Casa Civil de negociar emendas parlamentares com vistas a resolver problemas de congressistas nas votações de interesse do governo. Ele sairia das sombras para a má fama após ser filmado negociando com um empresário do ramo de jogos propina para subvencionar campanhas políticas. Seria o primeiro grande escândalo no governo Lula.

 

Com baixas eventuais, a central de denúncias do PT continua ativa. Um dos que confirmaram a Zero Hora a existência do grupo é o sindicalista Wagner Cinchetto, 43 anos. Jornalista, ele atuou por dois anos na Força Sindical (entre 1991 e 1993), de onde saiu atirando petardos contra o então presidente Luiz Antônio de Medeiros.

 

Cinchetto, que nos últimos anos atuou como "consultor informal" da Central Única dos Trabalhadores (CUT), admitiu ontem, em entrevista por telefone a ZH, ter integrado o grupo que gestou três montagens de dossiês contra adversários de Lula na campanha presidencial de 2002: contra os vices de Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS) e contra José Serra (PSDB).

 

Outros integrantes, segundo Cinchetto, eram Ricardo Berzoini (presidente do PT, afastado semana passada da coordenação de campanha de Lula) e Oswaldo Bargas (também afastado da cúpula da campanha), amigo de Lula desde os tempos do sindicalismo em São Bernardo do Campo (SP). As reuniões ocorriam num escritório da Rua Haddock Lobo, nos Jardins, em São Paulo.

 

Cinchetto, atualmente rompido com o PT, ressalva:

 

- Não que fizéssemos algo ilegal. Nunca entrou dinheiro na nossa história, a meta era tornar público coisas contra os adversários e interceptar denúncias contra nosso pessoal.

 

O dedo do PT em ESCÂNDALOS

 

1992

Missão: derrubar Collor

Agente: José Dirceu

 

Petistas ilustres ajudaram a municiar a imprensa com dicas sobre corrupção no governo Fernando Collor. Parte dos dossiês originou a CPI de PC Farias, tesoureiro de campanha de Collor. Ele acabou condenado por sonegação de impostos, e Collor sofreu impeachment. Entre os que abasteceram a mídia com denúncias, estava um grupo de assessores ligado ao deputado federal José Dirceu (PT-SP).

 

1993

Missão: derrubar os Anões do Orçamento

Agente: Waldomiro Diniz

 

O serviço de inteligência do PT convenceu o ex-diretor do Senado José Carlos Alves dos Santos a dar entrevista mencionando os nomes dos parlamentares que cobravam propina das empreiteiras para apresentar emendas destinando recursos a grandes obras. Como os parlamentares eram quase todos de baixa estatura, a investigação levou o apelido de CPI dos Anões do Orçamento (na foto acima, a leitura do relatório da CPI). Foi sugerida a cassação de 18 deputados. Destes, seis foram condenados e perderam o mandato, entre eles Ibsen Pinheiro, posteriormente inocentado nos processos criminais. O principal assessor do PT a municiar a mídia foi Waldomiro Diniz.

 

2002

Missão: afastar suspeitas em Santo André

Agentes: José Dirceu e Gilberto Carvalho

 

O prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), foi seqüestrado, torturado e assassinado. As investigações apontaram para um esquema de cobrança de propina supostamente montado por ele para beneficiar o partido. Petistas que trabalhavam com ele, suspeitos do homicídio, foram grampeados pela Polícia Federal. Sob o comando de José Dirceu e Gilberto Carvalho (ex-secretário do prefeito Celso Daniel e atual chefe de gabinete de Lula), o serviço acionou procuradores para impedir que os conteúdos dos grampos vazassem para a mídia. A Justiça invalidou os grampos.

 

1998

Missão: examinar o Dossiê Cayman

Agente: José Dirceu

 

Apesar de estar em disputa com o PSDB, o serviço de inteligência do PT ajudou a desarmar uma bomba contra os tucanos. Alertou o candidato Lula de que eram falsos os papéis do Dossiê Cayman e não deveriam ser usados na campanha daquele ano. O dossiê atestava a existência de uma empresa criada em nome de integrantes do PSDB em paraísos fiscais, para envio ilegal de dinheiro. Entre os donos fictícios da empresa estariam o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso e o então ministro da Saúde, José Serra. Perícias mostraram a falsidade dos documentos.

 

2002

Missão: neutralizar Garotinho

Agente: Oswaldo Bargas

 

A mando de Oswaldo Bargas (que era da campanha de Lula à reeleição, até o estouro do Dossiê Cuiabá), emissários do PT procuraram o candidato a vice-presidente pelo PSB, Paulo Costa Leite, e tentaram convenê-lo a abandonar a chapa encabeçada pelo governador fluminense Anthony Garotinho, ameaça em potencial à candidatura de Lula. Costa Leite renunciou porque, entre as informações que vazaram sobre ele na campanha, estava a de que integrara o Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem do regime militar.

 

Missão: neutralizar Ciro

Agente: Wagner Cinchetto

 

Wagner Cinchetto, um dos integrantes do serviço de inteligência do PT, vazou para a imprensa documentos que apontavam a compra superfaturada de uma fazenda e desvio de dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) por parte de Paulo Pereira da Silva, candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes (PPS). O dossiê ajudou a naufragar a candidatura de Paulinho e Ciro.

 

Missão: neutralizar José Serra

Agente: Wagner Cinchetto

 

Wagner Cinchetto e o serviço do PT conseguem, com funcionários do Banco do Brasil, documentos sobre supostas irregularidades num empréstimo feito por um parente de José Serra. A papelada resultou numa ação civil pública do Ministério Público contra o responsável pelo empréstimo, Ricardo Sérgio de Oliveira, também caixa de campanha dos tucanos. A mídia foi avisada. Serra, que já estava atrás nas pesquisas, perdeu a eleição para Lula.

 

2006

Missão: neutralizar os tucanos

Agentes: Jorge Lorenzetti Oswaldo Bargas

 

Chefe do serviço de inteligência da campanha de Lula à reeleição, Jorge Lorenzetti foi o principal articulador da negociação do Dossiê Cuiabá, que tinha informação supostamente comprometedoras para candidatos do PSDB à Presidência e ao governo de São Paulo. Bargas, também da cúpula da campanha, ofereceu o dossiê à revista Época, em uma reunião reservada da qual participou Lorenzetti.

 

A sombra de Dirceu

 

O ex-governador catarinense Esperidião Amin tinha um apelido para o núcleo de inteligência do PT: PTpol, trocadilho da palavra Interpol e da "polícia do PT". Senador à época da CPI do Orçamento, em 1993, Amin achava "fantástica" a rapidez com que José Dirceu apresentava documentos que só um espião poderia conseguir.

 

Dirceu tinha como obsessão contra-atacar petardos como o lançado por Collor, em 1989, envolvendo Lurian, a filha de Lula desconhecida dos eleitores.

 

Quando atuava na guerrilha, escondido do regime militar em Cuba, Dirceu fez na ilha de Fidel curso de informações, contra-informações, estratégia e segurança militar. Acabou se tornando para o PT, em tempos democráticos, o que o general Golbery do Couto e Silva era para a ditadura militar: um ideólogo e conspirador.

 

A presença de Dirceu permeou o núcleo de inteligência do PT em episódios decisivos nas eleições presidenciais desde 1989. Apenas na compra do Dossiê Cuiabá o dedo de Dirceu não aparece. Mas um dos envolvidos, Hamilton Lacerda (então assessor do candidato a governador de São Paulo Aloizio Mercadante que admitiria ter participado da tentativa de divulgação do dossiê) é homem de confiança de Dirceu desde 1989.

 

O economista Paulo de Tarso Venceslau, ex-guerrilheiro fundador do PT e expulso do partido em 1997 depois de denunciar que Lula teve contas pagas por um amigo, diz que o esquema de fabricação de dossiês surgiu de uma união entre sindicalistas do ABC e leninistas liderados por José Dirceu. Do grupo para gerar denúncias que facilitassem a chegada ao poder faziam parte Waldomiro Diniz e Silvinho Pereira (ligados a Dirceu) e Jorge Lorenzetti e Oswaldo Bargas (ligados à CUT). O encontro dos grupos, na região do ABC paulista, foi apelidado Clube do Mé.

 

A influência de uma gravação

 

- Era um aparelho para torpedear as campanhas inimigas e ajudar os amigos. O Sindicato dos Bancários paulistano abriu uma rubrica para auxílio financeiro dos companheiros desempregados e ligados ao grupo. Hoje não precisa mais, o aparelho tomou conta do Estado - opina Venceslau.

 

Entrevista: Wagner Cinchetto, consultor sindical que integrou o núcleo

 

Rompido com o PT e a CUT, o consultor sindical Wagner Cinchetto, 43 anos, conta a Zero Hora como agiu no grupo:

 

Zero Hora - Em 2002, o senhor gravou uma fita que apontava para contas do deputado Luiz Antônio Medeiros no Exterior. Foi a pedido do PT?

 

Wagner Cinchetto - Do Oswaldo Bargas e do atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Eu tinha trabalhado com o Medeiros e gravei uma fita com provas de conta secreta no Exterior que resultaram num enorme dossiê. O pedido de cassação do Medeiros estava pronto. Mas aí conversaram, e ele concordou que o PL fizesse o vice de Lula. O PT votou contra a cassação.

 

ZH - O presidente Lula sabia?

 

Cinchetto - Olha, o Bargas era homem forte do Lula, a mulher dele era secretária do presidente.

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