Domingo, 27 de Janeiro de 2008
ESTADAO
ESTADAO
Lourival Santaana
Em entrevista exclusiva, governador contesta dados do órgão federal e diz que desmatamento caiu 20% em Mato Grosso
Os últimos dados de desmatamento na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) colocaram Mato Grosso contra a parede. Dos 3.233 km² de derrubada detectados pelo Sistema de Desmatamento em Tempo Real (Deter) entre agosto e dezembro, 1.786 km² seriam no Estado. Apesar de aliado do governo federal, Blairo Maggi (PR), governador de Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do mundo, foi responsabilizado pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.
Nesta entrevista exclusiva ao Estado, por telefone, Maggi, de 50 anos, no segundo mandato, reage, contestando energicamente os números e lançando uma suspeita sobre o órgão federal: "O Inpe está mentindo a serviço de alguém." Ele ainda chama de "besteira" a suspensão de créditos, uma das medidas adotadas pelo governo federal: "Ninguém pega crédito para desmatar."
A ministra Marina Silva o acusou de não cooperar com o combate ao desmatamento. Como reage?
Recebemos esses dados com muita surpresa. Todos nós sabemos que esses números não são verdadeiros com base no trabalho dos nossos técnicos da Secretaria do Meio Ambiente, que vem promovendo um arrocho nos últimos anos. O Inpe está mentindo a serviço de alguém. Queremos saber a serviço de quem. Falei com a ministra hoje (sexta-feira) pela manhã longamente pelo telefone e mostrei que os números que apresentaram a ela não têm consistência. Sobre os números de outubro a dezembro, ainda não posso dizer quanto é verdadeiro. Mas, dos números de abril a setembro do Deter, verificamos mais ou menos 300 pontos. Já temos os laudos de 113. Desses, em 91 (80,53%), o desmatamento não existiu ou é antigo e deve ter entrado em algum outro momento estatístico. Dentro de 20 a 30 dias terei o restante. Acho muita irresponsabilidade da parte do Inpe lançar para o mundo os números sem checar na realidade do campo o que está acontecendo.
Qual a receptividade da ministra?
A princípio, parece-me que ficou surpresa. Junto com os técnicos da nossa secretaria, também havia pessoal do Ibama. Em todos os pontos em que notamos erros, foi feito um laudo e assinaram o pessoal do Ibama, nossos técnicos e os policiais militares que fazem parte das equipes. Tenho tudo documentado. A mim cabe perguntar se os números de setembro a dezembro também não são errados, mal interpretados, até por má-fé. O que o senhor acha que houve? Nossos técnicos dizem que as informações dos satélites podem ser usadas de várias maneiras. Por exemplo: temos áreas de várzea na região do Araguaia onde não existe floresta. Se tem um incêndio e o satélite detecta, interpretam como se fosse queimada de derrubada (de floresta). Em áreas de formação rochosa, também o satélite passa e dá uma característica de queimada. Quando você pega os polígonos que estão no site do Deter, vê que muitos pontos são irregulares. Quando se faz desmate para pecuária ou agricultura, todo mundo procura fazer algo retangular para poder trabalhar dentro dessas áreas. Grandes áreas de incêndio dentro da floresta eles julgam como se fosse desmatamento. A ministra Marina saiu do Brasil e defendeu posições de que estamos reduzindo desmatamento. Aí, chega e lança um número desses, sem nenhum critério, sem nada, vira no que virou. No mundo inteiro estão botando a boca, dizendo que o Brasil é irresponsável. Irresponsável é quem bota os dados sem checar no campo. Sou parceiro da ministra, do governo. Tenho feito grande trabalho para reduzir o desmatamento em Mato Grosso. Os setores produtivos do Estado têm criado fundos para devolver as áreas de preservação permanente, assumindo o compromisso de fazer tudo correto.
Que dados vocês têm?
Estimamos que nossa área desmatada deste ano será inferior em 20% a 25% à do ano passado, que já foi baixa, em torno de 2.400 km².
Os municípios problemáticos são esses mesmos que aparecem na lista do governo?
São. Mas desses (19 mato-grossenses, do total de 36), apenas três trabalham fortemente com soja: Querência, Gaúcha do Norte e Nova Maringá. No noroeste do Estado e na região de Colniza, temos problemas muito sérios com grandes assentamentos do Incra. Eles também não respeitam, não fazem licenciamento. O pessoal derruba a floresta para manter a posse. Nem consegue produzir. Há ainda uma área de grilagem muito grande. São invasões. Muita gente vem de Rondônia. São pequenos sitiantes que tiram a tora e vendem para os madeireiros. Já pedi até apoio do Exército para as duas áreas e não consegui até hoje. Quando aperta, todo mundo grita. Quando a gente pede ajuda, que tem que pôr a mão no bolso e trabalhar, todo mundo corre. Devia aproveitar essa confusão e mandar o Exército ficar seis meses acampado na região. Vão ver como reduziria o desmatamento. Só com blablablá a gente não faz nada. Quero que a Amazônia pare de ser desmatada, mas quero também que paremos de fazer carnaval em cima dessas coisas.
No restante, qual é a pressão?
É pecuária.
Derrubar pode ser rentável para o pecuarista e o sojicultor, ou é necessariamente o madeireiro quem chega primeiro?
Se você tiver que derrubar uma floresta para fazer agricultura, não vai pagar a conta. Agricultura não se faz na floresta, mas no cerrado, onde é permitido o uso de 65% (da área). Nesses números divulgados, tem uma parcela legal, autorizada pelo governo.
O que acha das medidas adotadas pelo governo, de suspensão de créditos e envio de força-tarefa?
Suspensão de crédito não muda nada porque ninguém pega crédito para isso. Nunca teve crédito para desmatar. Isso é besteira. Enviar agente policial para cá pode ajudar. Mas antes da Polícia Federal, podia ser o Exército, para uma presença preventiva. Tira esse povo lá do Rio de Janeiro, da fronteira da Amazônia, onde está todo mundo coçando o saco, e traz para cá. Falei para a ministra hoje que uma medida boa é identificar na cadeia produtiva de onde está vindo o boi, a soja ou a madeira. Se vem de área desmatada irregularmente, trava na comercialização. Isso funciona bem. Já existe em Mato Grosso moratória feita pelas empresas, que não têm comprado soja de áreas desmatadas (na floresta, após 2006).
Em Bali (reunião de dezembro sobre o clima), o senhor demonstrou otimismo com os mecanismos de remuneração do serviço ambiental. Acha que a divulgação desses dados prejudica esse processo?
Esse é um assunto que temos que continuar perseguindo. Sei que não é fácil. Cada vez que você solicita que alguém coloque a mão no bolso para uma atividade ambiental, não acha parceiros. Todo mundo fala, mas ninguém põe. Naquela reunião, fiz o alerta de que o desmatamento era um leão adormecido, que poderia acordar de uma hora para outra, e que esse seria o momento de termos novos mecanismos, um deles o desmatamento evitado. Se o cidadão que está em Colniza desmatando só para segurar sua posse, sem produzir nada, for pago para manter a floresta em pé, vamos ter um agente ambiental lá. O problema é que não conseguimos transformar isso em realidade. Quando é a hora de pôr a mão no bolso, o Banco Mundial vem com um fundo de US$ 150 milhões para combater o desmatamento no mundo. Isso não dá para nada.
O aumento do preço da soja não acordou o leão?
Não, até porque os agricultores estão muito endividados, com a queda do dólar de R$ 3,80 para R$ 1,70. O dinheiro evaporou. O pouco ou muito que se vai ganhar neste ano é para cobrir um buraco muito grande. Mas, dentro de 60 dias, quando finalizarmos o levantamento in loco do período de outubro a dezembro, teremos condições de dizer exatamente a área destinada à soja, à pecuária, assentamento do Incra e manutenção de posse.
Dos 900 mil km² de território de Mato Grosso, quanto já foi aberto?
Estimamos 35%.
Disso, quanto representa gado e soja?
Soja, 8%; gado, 25%. Aqui não vai nenhuma crítica, mas, de reservas indígenas, temos 13% do território. Os caras nos matam por nada. Os índios têm o direito de ter as terras deles, sem problema nenhum. Ninguém está contestando. Ajudamos a manter as divisas deles.
O senhor acha a reserva legal de 80% (nas propriedades na floresta) sustentável economicamente?
Não. É por isso que há essa pressão em cima. Com 20% da propriedade para produzir, não tem retorno econômico. A não-votação da medida provisória que instituiu 80% tem trazido problemas para o Estado, porque muitos acham que, por ser medida provisória, um dia ela pode mudar.
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