sábado, 23 de fevereiro de 2008

UM CAPÍTULO QUE NÃO ESCREVI

Percival Puggina


Quando escrevi “Cuba, a tragédia de utopia”, encerrei o livro com a plena consciência de que faltava um capítulo e que ele me seria cobrado pelos leitores. Refiro-me à especulação possível, naquele ano de 2004, sobre o que aconteceria em Cuba depois de Fidel. Ou sobre as conseqüências cubanas do eventual desaparecimento do líder. A decisão de não entrar no território inseguro das conjeturas deveu-se ao desejo de preservar o livro de um possível erro de avaliação. Afinal, a obra estava composta por certezas, dados, fatos, observações e testemunhos pessoais.

A história, contudo, tratou de escrever suas próprias linhas, ainda antes do que se supunha. Primeiro a doença de Fidel, depois a dinástica sucessão pelo mano Raúl, e agora a renúncia definitiva, que abre, de vez, o processo político em pauta. Pede-me o nosso O Tempo que especule. Especularei então, sob as menores responsabilidades de um texto de opinião, como fiz, aliás, nos meses que se seguiram ao lançamento do livro, em sucessivas entrevistas nas quais essa indagação esteve sempre presente.

Tenho fortes razões para manter a opinião expendida ao longo dos últimos quatro anos. Nada, em Cuba, indica um caminho diferente daquele que, aos tempos da União Soviética, era seguido nos processos de sucessão no comando político do Partido Comunista (PCUS). Ou seja, a nomenclatura se inclinará a manter seu poder, ainda que com negociações, ou mediante eventuais disputas internas. Mas a experiência de meio século deve ter ensinado aos membros do Comitê Central e de suas subsidiárias, a Assembléia Nacional e as Assembléias Provinciais, o quanto é proveitoso e prazeroso exercer o comando sobre um povo desarmado, sem sobressaltos nem questionamentos.

Motivos para que nada diferente aconteça? Ora, abandonar espontaneamente o poder, em pleno gozo da saúde física e mental, é um raro gesto de grandeza individual e um impraticável gesto de grandeza coletivo. Ademais, Cuba é uma ilha de onde só se sai passando pelos seguranças do aeroporto ou pelas inseguranças do oceano. O povo cubano é desarmado até os dentes. Por falta de oportunidades e de prática não existem políticos na Ilha. Menos ainda existem militares oposicionistas. Ser dissidente, em Cuba, faz muito mal à saúde pessoal e familiar. A economia cubana vai tão mal quanto sempre foi e, passados 49 anos, ninguém mais imagina como seja uma vida diferente daquilo.

A única coisa que pode provocar mudanças substantivas em Cuba seria um eventual ingresso de divisas, pela via do turismo, que desse origem a uma inevitável mudança no perfil social e econômico da população. Até agora isso tem sido obstado pelas muitas proibições que incidem sobre a população local (los ciudadanos de segunda), mantida sem acesso a bens de consumo, a informações do exterior e aos locais freqüentados pelos turistas. Enquanto isso não acontecer, tendo a crer que teremos, por lá, um pouco mais do mesmo.


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