Olavo de Carvalho - JB
A revista Playboy deste mês publica uma entrevista reveladora com alguns líderes emergentes do chamado "liberalismo" brasileiro, filhos de velhos caciques regionais falecidos, aposentados ou desativados. Reveladora, digo eu, porque ilustra com clareza didática algumas obviedades que tenho publicado nesta coluna, mas que os bem-pensantes insistem em não querer admitir, como outrora se recusavam a admitir a existência do Foro de São Paulo. A mais flagrante delas é que não existe direita politicamente relevante no Brasil.
Os entrevistados não só rejeitam a denominação de direitistas - o que já é bastante significativo, tendo em vista o orgulho com que os esquerdistas se assumem como tais - mas subscrevem no fim das contas todo o programa sociocultural da esquerda, com a única diferença de que desejariam realizá-lo pelo livre mercado em vez da ação estatal direta. Que isso constitua mesmo uma diferença, é altamente duvidoso
Do ponto de vista econômico, a disputa entre liberais e socialistas no mundo vai-se tornando cada vez mais adjetiva: nenhum político é louco o bastante para advogar em público a supressão do Estado previdenciário, nem idiota o suficiente para continuar acreditando na eliminação total da propriedade privada. A guerra entre os sistemas tornou-se uma tênue oscilação para lá e para cá de um confortável meio-termo. A direita quer o capitalismo sob a proteção do governo-babá, a esquerda quer o socialismo vitaminado pela força do livre mercado. É a tese de Paul Edward Gottfried em After Liberalism: Mass democracy in the Managerial State (Princeton University Press, 2001): junto com o socialismo real morreu também o liberalismo ideal.
A vitória da "revolução dos gerentes" matou os dois, inaugurando a era da democracia de massas, o que é o mesmo que dizer: o império universal da burocracia. Com isso, o foco da disputa efetiva transferiu-se para um domínio mais sutil - e infinitamente mais decisivo para o futuro da humanidade: o sonho do espírito revolucionário já não é o controle estatal da economia, mas o controle estatal da vida privada, da mentalidade popular, dos usos e costumes, da imaginação e dos sentimentos. É promover a ruptura total com as tradições históricas e operar enfim a longamente ambicionada mutação radical da natureza humana. Décadas atrás os melhores cérebros da esquerda - Lukács, Gramsci, os frankfurtianos - já haviam concluído que nesse campo, e não na economia, seria travada a batalha decisiva. Mas a idéia era prematura quando a lançaram.
O advento da "democracia de massas" vem dar-lhe uma atualidade explosiva, preparando o terreno para a revolução cultural globalizada. No novo contexto, o dever máximo ou único de uma direita historicamente consciente é defender os princípios e valores civilizacionais milenares, resistindo à ambição insana de planejadores sociais para os quais a espécie humana não passa de matéria-prima para experimentos que variam entre o irresponsável e o macabro. Mas muito provavelmente essa resistência será em breve criminalizada como extremismo de direita, e, se não lutar como um exército de leões, desaparecerá do cenário político decente. Só sobrará lugar para a "direita bossa nova", como a chama a Playboy - a direita que cede tudo em troca de um pouco de capitalismo.
A economia de mercado deve, sim, ser defendida, porque só nela os princípios e valores hoje ameaçados podem subsistir. Mas abdicar deles em troca da economia de mercado pura e simples, fazendo dela a única finalidade em vez de um meio entre outros, é servir duplamente ao esquerdismo, entregando-lhe de mão-beijada o que ele mais almeja conquistar e ainda criando uma camuflagem "capitalista" para dar aparência inofensiva à mais temível mutação revolucionária de todos os tempos.
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