terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Petetização no Ipea?

Ubiratan Iorio
Economista
A nova direção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está promovendo mudanças que vêm gerando suspeitas de expurgos nos quadros técnicos da até agora respeitada instituição. Seu presidente - para quem o Estado brasileiro seria "raquítico" (afirmativa absurda e denotativa de que ou é movido por ideologia, ou ruim da cabeça, ou doente do pé) - nega com veemência a acusação, mas o fato é que, no último dia 17, afastou quatro respeitados economistas: Fabio Giambiagi e Octavio Tourinho (que retornaram à sua origem, o BNDES) e Gervásio Rezende e Regis Bonelli (aposentados e sem vínculo empregatício com o instituto, onde estavam alocados por conta da Lei 9608, de 18/2/98, que dispõe sobre serviços voluntários não remunerados).
Três entidades representativas dos economistas, a Federação Nacional dos Economistas (Fenecom), o Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) e a Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), viram no episódio uma ameaça à independência do órgão que, como se sabe, era ligado ao Ministério do Planejamento até abril deste ano, quando passou para o Núcleo de Assuntos Estratégicos - o "Ministério da Bola de Cristal", comandado pelo ininteligível mago Mangabeira Unger. Em nota conjunta, alertaram que "nem nos piores momentos políticos vivenciados no país, inclusive no período da ditadura, tentaram calar o Ipea". Isto é muito grave!

A polêmica parece transcender diferenças teóricas e ideológicas, pois envolve também aspectos financeiros, já que os convênios do Instituto vêm transferindo, segundo os jornais, cerca de R$ 1 milhão por ano a entidades privadas sem fins lucrativos, sem contar os repasses de empresas estatais, como Petrobras e Caixa Econômica Federal, também usados para patrocínios e consultorias, em sua maioria sem licitação, dado o "notório saber" (sic) dos contratados. Isto significa, na prática, que a direção do Ipea pode escolher os pesquisadores que obterão fontes adicionais de renda.
O clima entre os técnicos do Ipea está tenso, pois seria o primeiro caso de caça às bruxas da história do Instituto que, desde que foi criado por Roberto Campos, no governo Castello Branco, sempre contou em seus quadros com economistas de diversas tendências. Durante anos esteve subordinado ao ministro João Paulo dos Reis Velloso - que, com equilíbrio e ecletismo, sempre respeitou as divergências existentes, prática mantida pelos governos seguintes.

Mas agora parece que a heterodoxia econômica mascarada de "desenvolvimentismo" que, transitoriamente, comanda o Ipea, aliada à busca de cargos para apadrinhados, resolveu moldá-lo à sua feição, ação que, por si só, já ameaça pôr abaixo sua credibilidade e que, se não for rapidamente extirpada, certamente o desmoralizará rapidamente, além de expor uma inaceitável cisão dentro do governo, entre o pragmatismo do Banco Central e os devaneios estatizantes dos que se julgam "desenvolvimentistas".

Serão meras coincidências? Giambiagi vinha afirmando (com toda a razão) que os crescentes gastos públicos representam um perigo para a estabilidade econômica do país; Tourinho, extremamente técnico, cuidava da respeitada revista do Ipea, mantendo-a imune a ingerências políticas e partidárias; Rezende, especialista em economia agrícola, desenvolvia pesquisas em que, entre outros "pecados" contra o credo petista e o dos companheiros baderneiros do MST, criticava a tese do "trabalho escravo" no campo. Além disso, foi extinto o grupo de análise conjuntural - que também vinha alertando para a orgia orçamentária do governo Lula - sob a alegação de que a função do Ipea é "pensar o longo prazo". Longo prazo? Um governo - e um país - incapazes de pensar meia hora na frente?

Preferiria acreditar que as mudanças tenham sido meramente administrativas, mas considerando, primeiro, o inegável processo de inchaço do Estado com exércitos de petistas e aliados, e, segundo, que coincidências até acontecem, mas muito dificilmente em doses múltiplas e simultâneas, deixo a conclusão - óbvia - a cargo do leitor.


Madonna mia, será que até o Ipea está sendo petetizado? Se for isso, até onde irão...

Ronaldo França e Ronaldo Soares
VEJA
Sexta-feira, Novembro 16, 2007

Afastamento de técnicos instala climade caça às bruxas no Ipea

Desde a sua fundação, em 1964, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) se notabilizou por ser um espaço de livre circulação de idéias. Criado no primeiro ano do regime militar para subsidiar a formulação de políticas de longo prazo, sempre abrigou pesquisadores das mais diversas tendências de pensamento. A única exigência era a alta capacitação intelectual. Ao longo dos últimos 43 anos, publicou trabalhos críticos à condução de programas de governo, sem que seus autores sofressem algum tipo de represália.
Na semana passada, o novo presidente do Ipea, Marcio Pochmann, tomou uma atitude contra o pluralismo, marca de excelência da instituição. Foram afastados quatro pesquisadores. Em comum eles têm, além de reconhecida competência, uma visão econômica liberal não coincidente com a linha de pensamento da atual direção do Ipea. "Nem a ditadura teve coragem de fazer no instituto o que o governo Lula está fazendo agora", diz a cientista política Lucia Hippolito.

Os afastados são os economistas Regis Bonelli, Fabio Giambiagi, Otávio Tourinho e Gervásio Rezende. Todos defendem a redução do papel do estado na economia e se manifestaram contra o excesso de gastos do governo. Giambiagi é autor de estudos que esmiúçam a crise da Previdência Social e deixam clara a necessidade da conclusão da reforma previdenciária. Trata-se de posição diametralmente oposta à defendida por Pochmann e, principalmente, pelo diretor do departamento de macroeconomia do instituto, João Sicsú. Este, por sinal, um defensor do aumento do número de funcionários públicos no Brasil – em artigos recentes, ele sustentou que o estado brasileiro é "nanico".

Pochmann e Sicsú chegaram à cúpula do Ipea pela mão do ministro extraordinário de Ações de Longo Prazo, Mangabeira Unger. Fazia alguns meses que já se especulava sobre uma caça às bruxas no Ipea. Pochmann disse a VEJA que as dispensas não tiveram motivação ideológica: "Foram medidas meramente administrativas". O argumento é curioso. Giambiagi e Tourinho, por exemplo, estavam cedidos ao Ipea pelo BNDES, que continuava a pagar seus salários. Num país que tem carência de cérebros, não é crível a justificativa burocrática. O ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso, que presidiu o Ipea desde sua criação até 1979, orgulha-se da liberdade ali exercitada. "Até aqui sempre se manteve o objetivo de preservar o Ipea de influências políticas. O instituto trabalhou com liberdade de opinião e de criação. Muitos dos principais economistas da oposição trabalhavam lá", lembra.

A notícia do afastamento dos quatro economistas revive a inclinação autoritária do governo do PT. Durante o primeiro mandato de Lula, foi extinto de supetão o departamento econômico do BNDES, setor responsável pela elaboração de estudos que serviram de base para programas fundamentais na modernização da economia brasileira, como as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Tanto naquele episódio quanto agora, o que está em jogo é a oposição entre o pensamento econômico liberal e o desenvolvimentista. São visões excludentes em ações de governo, mas não em instituições que têm como função produzir análises que ajudem a compreender a realidade brasileira. Nestas, as diferenças só enriquecem o debate.
No Ministério das Relações Exteriores, ocorreu algo semelhante. O embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Roberto Abdenur, foi removido do cargo e empurrado para a aposentadoria por manifestar, durante uma palestra, opinião divergente da de Celso Amorim sobre as relações com a China. O secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, instalou um clima de perseguição no ministério e promoveu absurdos como a doutrinação dos novos diplomatas, tornando obrigatórias leituras de viés ideológico afinado com seu pensamento.

Ao longo de sua história, o Ipea sempre exerceu o papel de consciência crítica dos governos. Aparelhá-lo é matar uma instituição respeitada internacionalmente. Um episódio protagonizado pelo próprio Regis Bonelli ilustra a saudável tradição de liberdade de expressão. Em 1974, ele e o ex-ministro Pedro Malan (então um técnico do Ipea) publicaram um artigo em que criticavam diretamente o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, editado pelo governo Geisel. Afirmaram que os efeitos da crise do petróleo de 1973 estavam subestimados. Nada sofreram. A história lhes deu razão.
UM ESPAÇO PLURAL, fundado em 1964, o Ipea sempre se caracterizou pela independência de pensamento em relação ao governo.



O Bolsa Família, principal programa do governo Lula, teve a contribuição decisiva do economista Ricardo Paes de Barros. Foi ele quem sugeriu a unificação de todos os programas sociais do governo.


Mal estar no Ipea
"Independência do Ipea está ameaçada", diz Lucia Hippolito
da Redação
16/11/2007

Quatro economistas do Instituto de Pesquisas em Economia Aplicada, órgão ligado ao governo federal, foram afastados. Os pesquisadores são considerados não-alinhados ao atual pensamento econômico do governo. O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, disse que os motivos do afastamento foram administrativos.

Para a colunista do UOL News Lucia Hippolito, porém, o episódio sinaliza que "a independência do Ipea está ameaçada". "É preocupante, para dizer o mínimo. Nem a ditadura mais feroz jamais interferiu no Ipea", disse a colunista, que já trabalhou no instituto e é co-autora de um livro sobre os primeiros 40 anos da instituição. "Gosto do instituto, conheço bem os pesquisadores e a história do lugar." Segundo ela, o instituto é responsável por vários estudos importantes sobre a economia brasileira, como "Ricardo Paes de Barros, o maior especialista em pobreza e distribuição de renda do país. Graças a ele é que foi criado o Bolsa Família."

Apesar dos argumentos do presidente do Ipea, Márcio Pochmann, que assumiu o instituto em agosto deste ano, Lucia considera que as dispensas têm razões políticas. "Essa gente toda era muito crítica dos gastos do governo e isso vai contra a visão do novo presidente (Pochmann)."

Além disso, Lucia afirmou que "desde o início do governo Lula existia a conversa de enquadrar, domesticar o instituto". Ela discorda do cerceamento da independência da instituição. "O Ipea sempre foi o 'grilo falante' do governo.""É preocupante saber que quatro pesquisadores renomados foram afastados por não comungarem com a opinião do governo. Isso cria uma situação de constrangimento dentro do Ipea, mesmo entre os pesquisadores que apóiam o governo", disse a colunista, que vê uma censura à liberdade de expressão acadêmica. "A autonomia do Ipea é patrimônio do país."


EXPURGO E APARELHAMENTO NO IPEA

Lúcia Hipólito

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi criado em 1964, já durante a ditadura. Seu idealizador foi o então ministro do Planejamento, Roberto Campos, e seu fundador e primeiro presidente foi o ex-ministro Reis Velloso.

A proposta era criar um instituto que pensasse o Brasil a médio e longo prazo, com estudos aplicados à realidade brasileira - saber teórico era com a universidade.Ao longo de seus 43 anos, o Ipea transformou-se na consciência crítica dos governos brasileiros - de todos os governos.Sua produção acadêmica vai desde estudos sobre industrialização, estudos pioneiros sobre agricultura no cerrado brasileiro - a expansão da fronteira agrícola brasileira é resultado desses estudos -, estudos sobre distribuição de renda, pobreza, gastos públicos, previdência.

Em seus primeiros anos, o Ipea contou com o trabalho de um dos mais importantes economistas vivos, o prof. Albert Fishlow, que se dedicou aos estudos do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento).Mais recentemente, o governo Lula deve a um pesquisador do Ipea, Ricardo Paes de Barros, o maior especialista brasileiro em pobreza e distribuição de renda, a proposta de unificação dos programas sociais do governo, que resultaram no Bolsa-Família - maior sucesso da administração petista.

Fábio Giambiagi, outro importante pesquisador, é responsável pelos estudos mais recentes sobre a Previdência no Brasil e sobre as contas públicas brasileiras.Além de realizar estudos para o governo, o Ipea formou quadros dos mais importantes para a administração pública brasileira. Por lá passaram Pedro Malan (pesquisador desde 1965), Dorotéia Werneck, Pedro Parente, Régis Bonelli, entre outros.Durante esses 43 anos, a independência intelectual e institucional do Ipea incomodou muitos governos - praticamente todos.

Mas nesses 43 anos jamais houve um único caso de censura ou qualquer tipo de interferência do governo no Ipea.Nem mesmo a ditadura interveio nos trabalhos do Instituto.Entretanto, desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, era voz corrente no governo a tentativa de "enquadrar" o Ipea, manifestada principalmente pelo então todo-poderoso chefe da Casa Civil, ex-ministro José Dirceu (réu no STF por formação de quadrilha e corrupção ativa).

Mas o Instituto resistiu.

A nomeação de Mangabeira Unger (intelectual respeitado em Harvard) como ministro das Ações de Longo Prazo (Sealopra) atendeu à intenção do governo de "domesticar" o Ipea.Imediatamente após a nomeação, os técnicos do Instituto receberam a visita de dois emissários do PRB, partido de Mangabeira e dos bispos da Igreja Universal, interessados em saber quantos cargos em comissão havia e qual era o montante de recursos destinados pelo governo ao Ipea.

Não é preciso dizer que os técnicos ficaram de cabelo em pé - jamais tinham passado por semelhante situação.Agora, os piores temores estão se confirmando.Desde que a nova direção assumiu, trabalhos foram recusados, substituições foram feitas nas diretorias, e acabam de ser afastados quatro dos mais importantes pesquisadores, todos críticos do excesso de gastos do governo federal: Fábio Giambiagi, Otávio Tourinho, Gervásio Rezende e Regis Bonnelli (este, um dos pioneiros do Instituto, junto com Pedro Malan).

A Diretoria de Estudos Macroecônomicos, a mais importante do Ipea, cujo atual titular é assessor econômico do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo da Igreja Universal, solicitou que os pesquisadores desocupem suas salas.Censura e aparelhamento ideológico.Será desastroso se o governo Lula destruir um dos mais importantes e independentes centros de estudos econômicos do país.Um governo que se diz de esquerda terá feito um papel que nem a ditadura de direita ousou fazer.

(Em tempo: sou co-organizadora, com Maria Celina D'Araujo e Ignez Cordeiro de Farias, do livro Ipea - 40 anos apontando caminhos. Publicado pela Editora FGV)

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