sábado, 29 de setembro de 2007

NÃO SE APRENDE, SENHOR, NA FANTASIA

Não se aprende, Senhor, na fantasia
por Jorge Baptista Ribeiro em 02 de junho de 2007
© 2007 MidiaSemMascara.org
Resumo: A corporação militar, geralmente integrada por pessoas oriundas das classes menos abastadas, não é melhor nem pior do que os demais grupos sociais.

De Formião, filósofo elegante,
Vereis como Aníbal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.
(Luis Vaz de Camões em “Os Lusíadas”)

Valendo-me do mote enunciado pelo grande poeta português que, em suas andanças mundo afora, em uma das mãos carregava a pena, enquanto noutra empunhava a espada e, apesar de cego de um olho, muito enxergava, desejo neste escrito sintetizar a minha opinião sobre o que é o profissional militar, o que faz e porquê faz.

Esta contribuição, sob todos os títulos pessoal, é, sobretudo, o resultado de longa vivência, na caserna, sob às égides da hierarquia e da disciplina num mundo severo, onde aprendi que o supremo dever do soldado é a defesa da Pátria e as mais repulsivas das vilanias são a falta do cumprimento dos deveres de ofício, a mentira e a deslealdade. Transgressões estas, implacavelmente, punidas com o rigor das leis militares.

Ainda pegando carona na verve do poeta, posso assegurar aos senhores (as) leitores (as) que “não se aprende na fantasia o que vai n’alma militar, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando”.

A corporação militar, geralmente integrada por pessoas oriundas das classes menos abastadas, não é melhor nem pior do que os demais grupos sociais. Apenas é diferente. Principalmente, em razão da peculiaridade do seu ofício que impõe um conjunto de valores no qual se baseia a mentalidade militar: única, concreta, permanente e universal. Logo, distinta da plural e circunstancial mentalidade civil, composta por enorme gama de mentalidades, consentâneas com as mais diversas atividades profissionais.

Nesse permanente e concreto espírito de cumprimento do dever é que reside a grandeza militar porque, acima de tudo, o verdadeiro soldado é um servidor da Pátria, nunca de senhores. É um escravo da Lei e da ordem. Assim, refletindo a sua servidão à sociedade de modo desinteressado e honrado. E, nessa servidão, conscientemente, coloca os interesses do seu serviço acima dos seus interesses pessoais. Servidão, portanto, que, em si mesma, determina grandeza e uma acrescida liberdade individual. Servidão da qual o soldado se orgulha, a despeito da falta de incentivos e da incompreensão de significativa parcela da sociedade, ao que se somam ignominiosos expedientes de malfeitores que visam destruir todas as defesas da sociedade democrática.

Sintetizando a distinta substância da ética militar, o emérito professor de Ciência Política da Universidade de Chicago, Harold D. Lasswel, cunhou a expressão: “administração da violência”. Explicitou-a como sendo uma tarefa a ser desempenhada por especialistas responsáveis pela defesa da Nação, ressalvando a sua nobreza como instrumento do Estado, incompatível com o simples ato de violência. Consultando a História é de fácil verificação que os métodos de organizar e aplicar a violência estão intimamente ligados ao padrão cultural da sociedade, a qual pertence quem vai dar curso à tal administração.

E nesse contexto, é bom que se diga que a judiciosa administração da violência exige do militar de terra, mar e ar um elevado grau de especialização profissional. Especialização que requer extrema dedicação ao estudo e sistemático acompanhamento da evolução da arte da guerra, nas mais variadas modalidades em que se apresenta, sempre entrelaçadas com as mais diversas implicações nos cenários psicossocial, político, econômico e tecnológico nacionais e mundiais.

Nos bancos escolares castrenses, nos freqüentes exercícios práticos, nas missões internacionais e no intercambio com as Forças Armadas de nações amigas, com perseverança, é buscado o aperfeiçoamento profissional. Buscas singulares, bastante abrangentes e diversificadas. Portanto, em determinados casos, necessitando da assessoria de especialistas acadêmicos, selecionados dentre os mais renomados em diversos campos do saber. O exigente ensino militar é movido por pedagogia ímpar, pois diferentemente da comum no ensino acadêmico, o aprendizado dos instruendos muito mais pesa sobre o ombro do instrutor militar do que sobre o do instruendo. Afinal, a mentalidade militar julga ser uma temeridade levar para a guerra gente despreparada.

Cumpre destacar que estamos examinando a mentalidade que caracteriza e move as atitudes dos militares de carreira, na qual deve prevalecer a consciência de que sua missão inclui conduzir homens, liderando-os nas adversidades do combate. E isso tem como pilares de sustentação a competência, a dedicação, a solidariedade e, principalmente, o exemplo. Um velho bordão enuncia que se as palavras, às vezes, convencem, o exemplo sempre arrasta.

A tais premissas, alia-se a responsabilidade de transmitir aos temporários prestadores do Serviço Militar e convocados para servir por curto prazo, as habilidades e tradições da vocação militar. O mesmo lhes compete com relação aos importantes quadros também permanentes, mas complementares, cujos integrantes têm formação, eminentemente, acadêmica. Para se ajustarem às necessidades impostas pela profissão militar, precisam ser “pintados” de verde oliva, de branco ou azul, conforme a Força que vão integrar. Dependendo das características individuais de cada um e dos exemplos recebidos, surge ou não um elemento auxiliar, perfeitamente integrado à mentalidade militar, geralmente caminhando na via expressa balizada pelo conjunto de valores inerentes à carreira das armas.

Em todo esse contexto, não se pode esquecer que o militar é um cidadão fardado e, por conseguinte, um ser humano elaborado pelo Criador que, por não simpatizar com os insubsistentes preceitos socialistas, mandou-o para o mundo desigual aos seus congêneres e vulnerável às fraquezas que permeiam a vida do homem.

A Sociologia ensina que o homem é o produto do ambiente sócio-cultural e no decorrer da sua vida vai tendo a sua personalidade formada e transformada por ensinamentos, circunstâncias e experiências adquiridas na família, na escola, no trabalho e no convívio social. Daí, surgindo o dever do analista honesto de avaliar comportamentos humanos, considerando os valores que ao longo do tempo interferiram na formação do cidadão, fardado ou não.

Para quem nunca pelejou nas hostes militares, revelo que o militar é um eterno analista. Nos anais da História busca ensinamentos, louvando-se em grandes líderes e valorosos soldados. Não improvisa, planeja. Vive estudando a situação com a qual, diuturnamente se defronta, tanto na paz como na guerra. Sempre pensando que a paz e a integridade do seu País dependem da preparação para a guerra. “Si vis pacem, para bellum” é o seu lema.

Por formação, fixado na execução da sua missão, procura conhecer o inimigo a enfrentar, estuda o terreno onde deve desenvolver suas ações e avalia os meios materiais que dispõe para o enfrentamento. Tanto se exercita neste mister profissional que tal procedimento se torna ato reflexo. Como não podia deixar de ser, até influindo na sua vida particular. Daí decorre o aguçado espírito crítico do militar, tornando-o meticuloso no seu planejamento, de forma a prevenir-se, desde a melhor até a pior hipótese possível de ocorrer num confronto. Por isso, os desconhecedores da profissão militar e os simplistas, injustamente, o taxam como pessimista.

Segundo o Samuel P. Huntington, Professor de Governo e Membro da Faculdade de Administração Pública da Universidade de Harvard, o homem, na ótica da ética militar é por essência o chamado homem de Hobbes que na sua obra de filosofia política (Leviathan) afirmou que a primeira lei natural do homem é a da autopreservação que o induz a impor-se sobre os demais. Por isso, a vida seria uma "guerra de todos contra todos" (bellum omnium contra omnes), na qual "o homem é o lobo do homem" (homo homini lupus).

Falando-se nesse animal que depende da predação para sobreviver, emerge no cenário da convivência social a existência de pessoas, as quais, como lobos famintos, em furiosa busca de caça, agridem às instituições militares. Alguns desses cidadãos, por terem o privilégio do acesso aos meios de comunicação de massa, permitem-se manifestar seus sentimentos adversos de forma preconceituosa, infundada, às vezes mal intencionada, ou até insultuosa. E servindo-se de mentiras, meias verdades e calúnias, desinformam. São pessoas que se desesperam e se excedem diante do sucesso alheio ou que se regozijam com os fracassos de outrem. Algumas razões destas posições, se seguem:

1. Motivos ideológicos, normalmente associados às correntes pacifistas, indigenistas, reformistas e ecológicas que, há bastante tempo, vêm fazendo cabeças de incautos no mundo ocidental, planejadamente;
2. Rejeição psicológica a quaisquer estruturas sociais marcadamente hierarquizadas, por puro anarquismo;
3. Trauma psicológico resultante de más experiências, em episódicos contactos com as Forças Armadas que, nas almas indigentes, geram o sentimento de vingança, de revanche;
4. Menosprezo aos valores ou padrões morais que a instituição militar procura incutir nos cidadãos que nela servem;
5. Mera ignorância ou desinformação sobre o papel e as missões constitucionais das Forças Armadas.
A realidade é que os detratores dos militares raramente invocam causas consistentes das suas posições contra as instituições castrenses. Por má-fé, transferem para elas a culpa de maus comportamentos individuais. Isto, quando não falsificam fatos ou os provocam.

Ultimamente, temos tido exemplos bastante significativos nos quais o mesmo grau de exigência e intolerância nem sempre é usado relativamente a outras ocorrências danosas praticados por companheiros de viagens e aliados.

É bom que se diga que a maledicência contra os militares não é privilégio brasileiro pois, nas nações democráticas, a universal mentalidade militar se constitui numa barreira à pretensões espúrias. Mas, justiça seja feita, ainda existem criaturas que reconhecem que os valores militares que lhe impregnaram os espíritos foram de extraordinário significado positivo para os bem sucedidos cidadãos que são.

Outra questão correlata que creio merecer abordagem é a incompatibilidade da visão pluralista do militar com a cosmovisão monista dos marxistas. Como se sabe, para o marxista os homens nascem iguais e puros. A sociedade capitalista é que os torna pecadores. Enquanto os militares identificam diversas lutas redentoras a enfrentar em variadas partes, o marxista somente enxerga e pratica a luta de classes que acredita ser a redenção da humanidade. Outro marcante antagonismo entre o pensamento militar e o comunista é o fato de que, neste, o fim justifica os meios, mesmo que sejam desonestos, enquanto para o soldado a desonestidade é uma desonra.

Em decorrência, pode surgir uma pergunta: se a visão do militar é completamente oposta a do marxista, por que existem militares, conscientemente, comunistas e militares que se dizem anti-comunistas mas que, sem perceber, aceitam e praticam conceitos coincidentes com o catecismo marxista?

Quanto aos conscientes, a minha opinião a respeito é a de que as frustrações são más conselheiras e os que adotam o comunismo como profissão de fé, foram parar nas Forças Armadas por uma ironia ou maldade do destino, senão por conveniência oportunística. Portanto, abraçando uma carreira para a qual não tinham pendor. Desajustados na profissão relegam à plano inferior os valores da mentalidade, estritamente militar. São mais soldados de Marx do que da Pátria, pois seu desejo é que seus concidadãos vivam sob o jugo de doutrina alienígena completamente divergente da formação da nacionalidade brasileira, forjada num passado de heróicas lutas, na defesa da Pátria.

Meu diagnóstico sobre os que não sabem que são marxistas e, ingenuamente, desempenham tristes papéis de papagaios de bordel, é que são vítimas da síndrome do fantoche. Segundo o Aurélio, são pessoas incapazes de ação própria que, por razões diversas, falam ou procedem orientadas ou comandadas por outrem; boneco, bonifrate, palhaço, autômato títere, são sinônimos, grafados naquele dicionário. Por extensão, também chamados de polichinelos.

Se, os que por qualquer razão não sabem que fazem o jogo dos comunistas desejarem tirar isto a limpo, sugiro que façam o teste, constante do livro Cadernos da Liberdade (pág 18, 19, 20 e 21), de autoria de Sérgio Augusto Avellar Coutinho, autor consagrado como um dos mais abalizados conhecedores das doutrinas sociais e políticas contemporâneas.

Finalizo, indicando uma leitura complementar bastante esclarecedora: a página Internet: http://www.exercito.gov.br/02ingr/Profmili.htm. Seu conhecimento muito auxiliará na compreensão de leigos, palpiteiros, aos interessados no assunto e, quem sabe? a muitos que somente se lembram dos soldados e os reverenciam quando, em perigo, precisam da proteção ou dos prestimosos serviços deles. Mesmo que seja só para usufruírem dos seus ofícios subsidiários.


O autor, Coronel R/1 do Exército é bacharel em Ciências Sociais, pela então Universidade do Estado da Guanabara e estudioso da Guerra Revolucionária.

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